A minha carreira de jogador profissional de ténis, apesar de curta, foi bastante preenchida e recompensadora, e uma das razões para o ter sido deveu-se ao facto de nunca ter sofrido de lesões ou problemas físicos que obrigassem a paragens longas e desafiantes para o processo.
Enquanto jogador senti que fui sempre melhorando em aspectos físicos, sendo que uns mais que outros, talvez uns já mais inatos e outros nem por isso. O que importa é que eu sabia que existiam linhas orientadoras para aquilo que era a demanda da modalidade, sempre trabalhadas pelo profissional da área, o chamado preparador físico.
A complexidade em termos físicos que o ténis implica fascinou-me desde o início, o que facilmente me levou a ser um aliado da causa. De facto, quando optei pela carreira profissional de ténis era já um jovem adulto, ainda por cima formado na área da saúde, o que me fazia ter uma percepção diferente do treino, comparativamente a outro jovem da minha idade e muito mais em relação a um miúdo de 14 ou 15 anos.
Para quem pratica ou simplesmente para quem gosta de ver ténis na TV já reparou com certeza na alta intensidade a que se joga e nas diversas qualidades físicas que aqueles atletas têm que ter…rápidos, ágeis, coordenados, fortes, resistentes são algumas das palavras que nos saltam á vista quando vemos o melhor ténis do mundo na televisão.
A constante incerteza da colocação, direção e velocidade da bola que vem do outro lado, as bruscas mudanças de direcção de cada jogador, a capacidade de jogar vários pontos seguidos a uma intensidade sempre perto da maxima..! Tudo isto implica que cada um dos intervenientes esteja muitíssimo bem preparado fisicamente..
É fundamental o trabalho minucioso do preparador físico, dentro da equipa multidisciplinar de cada atleta de elite, na procura constante de o potenciar e de o colocar á altura da exigência e demanda física que o ténis traz consigo.
Quando abracei a carreira de treinador tive a sorte desde muito cedo acompanhar os melhores atletas nacionais nos melhores torneios do mundo, incluindo os Grand Slams. De facto a importância da parte física ao mais alto nível é muito notória, a integração do preparador fisico na equipa técnica de um atleta de elite é regra obrigatória. O seu raio de acção é muito alargado, passando em primeiro lugar por tentar potenciar aos máximo as capacidades físicas do atleta para a demanda do ténis mas também para o estilo de jogo que pratica.
Jogando dia após dia e semana após semana o preparador físico tem também um papel fundamental na recuperação e na gestão das cargas de treino do atleta ao longo do torneio e das semanas de competição. Se pensarmos que um ano tem 52 semanas e um tenista profissional joga 30 semanas conseguimos entender a importância que tem a gestão eficaz dos momentos de treino, competição e recuperação.
Temos também o lado menos visível da actuação do preparador físico, mas que me diz muito pela minha área de formação. O ténis é uma modalidade extremamente técnica e assimétrica, o que implica muita repetição de gestos, e de um só lado, muitas vezes em posições de maior stress para as articulações, aumentando a probabilidade de lesão por carga/excesso de uso ou repetição. Torna-se então fundamental este trabalho mais invisível do preparador físico, aqui juntamente com o fisioterapeuta, que passa por saber equilibrar o corpo e dotar as articulações mais usadas no ténis, de estruturas sólidas que aguentem “muita e forte pancada”, ou seja, o trabalho que commumente se chama de prevenção de lesões.
Actualmente no meu raio de acção no Centro de Alto Rendimento da Federação Portuguesa de Ténis temos no preparador físico uma peça chave na excelente equipa multidisciplinar que conseguimos criar. Tentamos trabalhar de uma forma muito presente, muito dinâmica e muito individual com os nossos jovens jogadores. Temos a firme convicção que só assim conseguimos potenciar ao máximo as capacidades de cada um deles no processo de chegarem ao profissionalismo.
Gostava de deixar uma nota final que se baseia um pouco na minha experiência profissional até á data, tendo trabalhado com todas as faixas etárias de atletas, e que vem a propósito da situação de pandemia em vivemos actualmente e da inactividade física pela qual muitos jovens passam actualmente.
Ao longo dos últimos 10/15 anos fui podendo constatar aquilo que a ciência nos diz. Quantos mais estímulos físicos diferentes os jovens tiverem nas idades mais tenras mais completos se vão desenvolver a nível motor, em capacidades onde a janela de desenvolvimento é muito curta, mas muito importantes para o ténis, como a coordenação e a agilidade. Mas não só para o ténis, penso que esta máxima se aplica a todos os desportos, o que me leva a incentivar as famílias e neste caso os próprios pais a promoverem a prática de atividade física das suas crianças. O objectivo não tem que passar necessariamente por ser campeão de uma determinada modalidade mas seguramente quanto mais estímulos físicos assegurarmos às nossas crianças mais completas física e mentalmente elas se vão desenvolver.
Gonçalo Nicau, 38 anos natural de faro. Licenciado em fisioterapia em 2004 pela Escola Superior de Tecnologias de Saúde de Lisboa.
Sempre esteve ligado ao ténis, sempre presente nas seleções nacionais de de todos os escalões juvenis até sub 18.
Após concluir o curso superior decide dedicar se a 100% ao ténis, numa carreira de jogador profissional. Conquistou inúmeros títulos nacionais e internacionais chegando a ocupar a posição 520 no ranking ATP singulares, contando ainda com várias presenças na equipa principal portuguesa da Taça Davis.
Em 2007 decide dedicar se á carreira de treinador de ténis e começa a acompanhar os melhores jogadores nacionais, entre eles Rui Machado, Frederico Gil e Pedro Sousa. Em 2014 com o rejuvenescimento do Centro de Alto Rendimento da Federação Portuguesa de Ténis inicia os trabalhos como treinador responsável, onde ainda se encontra até á data. Em 2019 por convite da direção técnica da FPT assume o cargo de treinador da equipa de Taça Davis.
Foto: FPT