Uma das fases mais complicadas do processo de reabilitação de lesão é a fase final, que commumente denominada de Return-to-Play. Contudo, esta fase é mais complexa do que aparenta e, consequência disso, é muitas vezes sobre-simplificada, ora por negligência dos próprios profissionais a trabalhar diariamente com os atletas, ora pela imposição dos diversos stakeholders desportivos, neste caso mais concretamente treinadores e diretores, que querem que o atleta volte o mais rápido possível à competição.
Naturalmente que o construto da reabilitação se inicia previamente a esta fase com estratégias para cumprir objetivos clínicos e funcionais estabelecidos a priori. Será fundamental referir que é muito mais aquilo que é comum do que aquilo que difere entre os vários processos de reabilitação, nomeadamente os princípios e etapas a cumprir, como o restaurar ou melhorar das propriedades de força (Maestroni et al., 2020) ou o desenvolvimento dos sistemas energéticos (Morrison et al., 2017). Só depois chegaremos então a esta fase de Return-to-Play.
Como ponto prévio, é desde logo fundamental compreender que esta fase não é uma fase única com uma janela temporal e modus operandi absolutamente definidos, mas sim uma fase que pode ser dividida em diferentes sub-fases e nas quais a progressão deverá, como em todo o resto do processo, ser gradual e de exigência progressivamente maior, e que inclusivamente poderá terminar em pontos diferentes dependendo de uma série de fatores.
Existem 3 fatores específicos ao longo deste espectro de Return-to-Play que, ainda que sejam (ou devessem ser) do foro do bom-senso aquando de uma reabilitação, são muitas vezes esquecidos. Esses são:
1. Exposição a Sobrecarga Mecânica
2. Exposição a Sobrecarga Metabólica/Fisiológica (Vanrenterghem et al., 2017)
3. Exposição a Dupla/Múltiplas Tarefas (Taberner et al., 2020)
De forma simples, aquilo a que estes se referem é a necessidade de se adotarem tarefas e estratégias que pretendam aumentar, progressivamente e num contínuo com esta ordem, a exigência e solicitação mecânica da estrutura lesionada, seguido dessas mesmas tarefas de igual exigência mecânica mas com aumento da exposição a fadiga, e por fim terminar este processo com a reintrodução de múltiplas tarefas (motoras e cognitivas) concomitantes em estratégias igualmente exigentes – o que isto fará em última medida é aproximar cada vez mais o atleta da sua modalidade desportiva. É indispensável relembrar que não há motivo para, após se entrar na fase de Return-to-Play, se retirar o atleta da exposição ao treino de ginásio por exemplo. Ambos devem ser cuidadosamente integrados dentro de todo (e não só) o processo de reabilitação.
Contudo, nesta fase ainda nos encontramos no Retorno à Participação. Por exemplo, o atleta cumpre com a sua equipa os exercícios iniciais de ativação, exercícios recreativos ou de estimulação do espírito de grupo, e abandona quando se iniciam as tarefas mais exigentes. Neste sentido, ele vai sendo liberado para realizar progressivamente mais e mais exigentes tarefas com a equipa, sendo que continua a abandonar o treino coletivo quando as demandas da tarefa ainda estão acima do seu limiar da capacidade atual.
Convém também realizar uma última ressalva: ainda que no final do trabalho condicionado o atleta esteja (idealmente) capaz de realizar quase todas as tarefas desportivas necessárias no seu desporto, nenhuma tarefa se assemelha tanto à sua prática desportiva como a prática desportiva em si. Por este motivo, é absolutamente indispensável sensibilizar as equipas técnicas para a reintegração gradual do atleta nos treinos, não só na exigência das tarefas, mas também alertá-las para este construto de reabilitação de forma a que possam decidir em conformidade, auxiliados por nós, sobre quando podem e devem de facto contar com o atleta para a competição; estarem informados neste sentido implica, por exemplo, permitirem reduzir o risco de recidiva ao aumentar o tempo de exposição do atleta antes de reintegrar a competição, algo que parece ser importante – quanto mais treinos na íntegra o atleta realizar com a equipa antes de regressar à competição, maior será o efeito protetor que essa exposição confere aquando do retorno (Bengtsson et al., 2020).
Texto de João Noura
– Licenciado em Fisioterapia pela ESS-Porto (2017)
– Leixões Sport Clube – Liga LedmanPro (2017/2018 e Julho e Agosto 2018)
– Leça Futebol Clube – Campeonato Nacional de Seniores (2018/2019)
– Rio Ave Futebol Clube – Primeira Liga (2018/2019)
– Pós-Graduado em Fisioterapia Desportiva pela CESPU (02/2018 – 02/2019)
– Docente Assistente na ESS-Porto na Unidade Curricular de Ciências Morfológicas (2018 – )
– Fisioterapeuta Coordenador da Unidade de Fisioterapia Desportiva e Performance CMM/ Peak (2019 -)
Bibliografia
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Maestroni, L., Read, P., Bishop, C., & Turner, A. (2020). Strength and Power Training in Rehabilitation: Underpinning Principles and Practical Strategies to Return Athletes to High Performance. Sports Medicine, 50(2), 239–252. https://doi.org/10.1007/s40279-019-01195-6
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Taberner, M., Allen, T., & Cohen, D. D. (2020). Progressing rehabilitation after injury: Consider the “control-chaos continuum.” British Journal of Sports Medicine, 54(2), 116–117. https://doi.org/10.1136/bjsports-2019-100936
Vanrenterghem, J., Nedergaard, N. J., Robinson, M. A., & Drust, B. (2017). Training Load Monitoring in Team Sports: A Novel Framework Separating Physiological and Biomechanical Load-Adaptation Pathways. Sports Medicine, 47(11), 2135–2142. https://doi.org/10.1007/s40279-017-0714-2