Raquel Moura Pinto
Entrevista
23 de Dezembro, 2019

Entrevista à Dra Raquel Moura Pinto – Direito Desportivo

Advogada, pós-graduada em Direito do Desporto e
mestranda em Direito dos Contratos e das Empresas. A Dra Raquel Moura Pinto teve a amababilidade de conceder uma interessante entrevista à PTX, esclarece-nos sobre determinadas particularidades do Direito Desportivo e aborda os desafios, direitos e deveres inerentes à área do exercício e saúde.Raquel Moura Pinto

1. O direito é transversal a várias áreas. Como surgiu o interesse no Direito do Desporto?

Desde muito nova vi no Direito, e em especial na Advocacia, o meu percurso
profissional. Sempre soube que o meu caminho seria este.

A par disso, o Desporto sempre fez parte do meu leque de interesses. De
forma direta ou indireta, as pessoas mais importantes da minha vida estão
ligadas ao Desporto. Cresci a ver jogos de futebol (e de outras modalidades)
com o meu pai e com o meu avô, o que, desde cedo, me fez entender o
futebol, e o desporto em geral, como um jogo de emoções. Sempre me
fascinou o mercado de transferências e a vertente negocial do desporto, mas
estava longe de imaginar que o meu percurso profissional passaria por aqui.

Mais tarde, uma pessoa importante na minha vida, também ele profissional no futebol e no desporto, fez-me sonhar e acreditar que seria capaz de conquistar o meu lugar no mundo desportivo.

O Direito e o Desporto são, sem sombra de dúvida, as minhas duas (grandes)
paixões e este é o caminho que quero trilhar.

2. Quais os principais problemas jurídicos suscitados pelos profissionais
do desporto?

Grande parte do meu trabalho no Direito do Desporto é desenvolvido junto de atletas profissionais, treinadores, clubes e intermediários desportivos, que me apresentam questões/problemas relacionados, por exemplo, com contratos de trabalho, nomeadamente dúvidas sobre a validade do respetivo contrato, cessação ou até mesmo incertezas sobre as respetivas cláusulas de rescisão, entre tantos outros.

3. Conte-nos como correu a experiência e o contributo para a obra
“Enciclopédia de Direito do Desporto”?

O convite foi feito pelo Dr. Alexandre Mestre, a quem agradeço a confiança e a generosidade, foi uma honra fazer parte desta obra pioneira em Portugal e que fazia falta há muito tempo. Dar o meu contributo a uma obra desta dimensão, em parceria com grandes nomes do Direito e do Desporto em Portugal foi, sem
dúvida, uma experiência muito enriquecedora e que me deixou, obviamente, muito feliz.

4. Qual a sua opinião sobre o crescimento na área do exercício e saúde em
Portugal? Considera que há aspetos a ponderar ao nível da legislação
para beneficiar os interesses e saúde dos clientes/praticantes?

Raquel Moura PintoÉ indiscutível que o desporto é, cada vez mais, uma realidade presente no dia-a-dia dos portugueses, independentemente do género, idade ou classe social.
De forma regular ou ocasional, procuramos no desporto um caminho para um estilo de vida saudável, que se inicia na prática desportiva lúdico-recreativa e poderá alcançar um contexto competitivo, quiçá profissional ou até de alto rendimento.

De acordo com a Lei n.º 5/2007, de 16 de Janeiro, que aprova a Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto (LBAFD), incumbe ao Estado, particularmente à Administração Pública na área do desporto, apoiar e desenvolver a prática desportiva regular e de alto rendimento, através da disponibilização de meios técnicos, humanos e financeiros – cfr. artigo 7º, n.º 1 da LBAFD. Neste sentido, foi criado o Instituto Português do Desporto e Juventude, I.P. (IPDJ), instituto público integrado na esfera indireta do Estado,
com a missão de executar políticas integradas e descentralizadas na área do desporto, em colaboração com entidades públicas e privadas. Entre as inúmeras atribuições, o IPDJ, I.P. apoia e propõe a adoção de medidas para a integração da atividade física e do desporto num estilo de vida saudável dos
portugueses.

Numa perspetiva de universalidade e igualdade, o direito ao desporto surge como um aliado ao direito à saúde, sendo que todos têm direito “à proteção da saúde e o dever de a defender e promover”, pelo que tal direito é promovido através da atividade física e desportiva. Enquanto direitos constitucionalmente
consagrados, incumbe ao Estado promover, estimular, orientar e apoiar a prática e a difusão da atividade desportiva.

Apesar do crescimento na área do exercício e saúde, Portugal mantém uma das taxas mais baixas da prática desportiva e atividade física da União Europeia e, consequentemente, um dos países com maior taxa de obesidade.
É do conhecimento comum que a o sedentarismo e a inatividade física são um fator diretamente responsável pelas doenças cardiovasculares em Portugal.
No sentido de beneficiar os interesses dos clientes e fomentar o aumento da prática desportiva em Portugal, considero que há alterações legislativas necessárias a ter em conta. Em sede fiscal, é inconcebível a manutenção do IVA a 23% no acesso a instalações para a prática desportiva e manutenção da
condição física. É necessário reduzir a taxa de IVA aplicável às instalações desportivas que prestem serviços na área da manutenção da condição física, nomeadamente ginásios, academias e health clubs, mas também aos serviços prestados por profissionais do exercício.

A manutenção desta elevada taxa de IVA não coincide com o preceituado na Constituição da República Portuguesa que, ao consagrar o direito à saúde e ao desporto, pretende a implementação
de políticas promotoras de um estilo de vida saudável, que em nada se coaduna com a taxa de IVA atualmente aplicável. No mesmo sentido, outra medida importante a tomar seria, em sede de IRS, existir uma dedução automática das despesas inerentes à prática desportiva, que atualmente não existe, com exceção dos casos em que exista prescrição médica.

Raquel Moura PintoPor outro lado, em contexto laboral, seria relevante que as entidades empregadoras flexibilizassem os horários de trabalho, tendo em vista a prática desportiva dos trabalhadores, o que aumentaria os níveis de produtividade, tal como já se comprova em diversos países.
É necessário que as políticas na área do desporto e saúde se complementem, uma vez que não se trata de uma opção do legislador, mas sim do respeito por normas constitucionais e imperativas.

5. No que toca ao treino personalizado, que conselhos jurídicos gostaria de
dar aos PT’s para defenderem da melhor forma os seus alunos/clientes?

Enquanto fenómeno económico incontestável, o desporto é objeto de várias formas de negócio e investimento, pelo que a profissionalização e o aperfeiçoamento técnico-científico são cada vez mais procurados pelos investidores. Os “profissionais do exercício físico”, que no caso podemos
enumerar vários exemplos como Diretores Técnicos, Técnicos de Exercício Físico, Fisiologistas do Exercício, entre tantos outros, são confrontados com a necessidade contínua de formação para um melhor desempenho da sua profissão na esfera desportiva.

Quanto ao treino personalizado, este tornou-se uma prática comum e cada vez mais procurada pelos portugueses. Seja para perder peso, aumentar a massa muscular ou só para manter ou até melhorar a condição física, o recurso a este tipo de serviços é crescente pelo seu acompanhamento personalizado,
exclusivo e motivacional, o que não se encontra em aulas de grupo, por exemplo.

A nível jurídico, é importante que o Personal Trainer garanta que o seu cliente está abrangido por um seguro que o proteja em caso de acidente durante a prática desportiva, cuja responsabilidade lhe pertence, independentemente do espaço ser público ou privado. Outra questão importante prende-se com a segurança do cliente, o Personal Trainer deve ponderar a metodologia do treino e os objetivos a atingir, tendo sempre em primeira linha a segurança e integridade física do utente.

O Personal Trainer é, entre outros profissionais do desporto, um dos principais promotores de bem-estar e saúde, através da prática de exercício físico personalizado. Mas nem sempre é desempenhado da melhor forma, dado que muitos dos clientes que procuram estes serviços apresentam patologias diversas, às quais nem sempre é aplicada a melhor solução e escolhida a metodologia mais adequada.

Em contexto de treino personalizado, deveria ser legalmente exigível formação superior, pois a prescrição de exercício a uma pessoa saudável não será a mesma a aplicar a outra pessoa que sofra de alguma patologia ou doença. Este é um item que deverá ser revisto e analisado pelo legislador em respeito por direitos constitucionalmente consagrados (Desporto & Saúde), sendo que uma técnica ou metodologia desadequada
poderá envolver riscos para a saúde dos clientes.

Raquel Moura PintoPor outro lado, tendo em conta a crescente prescrição do exercício físico e prática desportiva no tratamento de diversas doenças, é urgente que o legislador reconheça a Fisiologia do Exercício como profissão. No âmbito da promoção da atividade física e saúde, o Fisiologista do Exercício apresenta-se
como uma referência no que toca à prescrição, condução, supervisão e acompanhamento da prática desportiva especializada, na prevenção e tratamento de doenças (binómio Desporto & Saúde), mas também em contexto de alto rendimento desportivo.

Enquanto não surgem alterações legislativas a este nível, cabe ao cliente certificar-se que o seu Personal Trainer apresenta a experiência profissional adequada às suas necessidades, com formação superior na área do Desporto e, se possível, uma especialização na área da fisiologia, especialmente em caso de doença.

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