Cardio
6 de Novembro, 2018

Entrevista do Dr Filipe Veloso Gomes à PTX

Dr Filipe Veloso Gomes, médico radiologista com diferenciação em radiologia de intervenção, com pós-graduação em medicina desportiva e investigação clínica, explica-nos o que é a radiologia de intervenção e qual o âmbito de acção desta especialidade no tratamento de múltiplas doenças. Aborda as consequências associadas aos estilos de vida pouco saudáveis, explica como se pode inverter esta tendência e incentiva a prática de atividade física orientada por profissionais qualificados. Fala ainda sobre o seu percurso a nível profissional, nomeadamente sobre a sua marcante experiência na medicina desportiva. Relata alguns episódios desta época e explica de forma emocionada como as suas memórias de infância o despertaram para esta área.A radiologia de intervenção tem um papel determinante não só ao nível do diagnóstico mas também terapêutico. Pode falar-nos sobre a evolução das técnicas e procedimentos da sua especialidade?

“A radiologia de intervenção é uma especialidade médica que nasceu nos anos 60 nos EUA, pela mão de Charles Dotter que foi considerado o pai desta especialidade. Em Portugal, é uma subespeciliadade da Radiologia, que se dedica ao tratamento minimamente invasivo de múltiplas doenças, guiados por técnicas de imagem (raios X e TAC, ecografia, ressonância magnética), o que permite a sua realização sem cirurgia, em segurança e com maior conforto para os pacientes. A evolução tem sido enorme ao longo das últimas décadas, acompanhando toda a evolução tecnológica que se tem verificado em torno da medicina. É uma especialidade intimamente ligada à inovação e à criação de novos tratamentos, tendo os portugueses dado contributos decisivos ao longo do tempo, quer através da internacionalmente reconhecida Escola Portuguesa de Angiografia de Egas Moniz e Reynaldo dos Santos, quer, mais recentemente, pelo trabalho pioneiro dos Professores Tiago Bilhim e João Pisco, que desenvolveram a embolização das artérias prostáticas, que é o tratamento minimamente invasivo da hiperplasia benigna da próstata, que afeta milhares de homens. A realização destes tratamentos obriga a um acompanhamento dos nossos pacientes em consulta, antes e após a sua realização, sendo a relação humana com os nossos doentes um aspeto central no sucesso terapêutico.

Quais as doenças mais comuns dos seus doentes? Tem-se registado alguma tendência nesse sentido que gostasse destacar?

“A Radiologia de Intervenção é uma especialidade generalista, com um âmbito muito alargado de ação. Existem duas grandes vertentes patológicas na Radiologia de Intervenção: as doenças vasculares e as doenças oncológicas. No âmbito das doenças vasculares destacaria as malformações vasculares, as doenças arteriais, como a aterosclerose, que afeta todas as artérias do corpo, e as doenças venosas, como a doença venosa crónica (varizes), as tromboses venosas e o tromboembolismo pulmonar. No campo da Oncologia, a Radiologia de Intervenção é hoje considerada um pilar fundamental no tratamento dos doentes oncológicos, oferecendo cada vez mais tratamentos minimamente invasivos, alternativos à cirurgia. Na saúde da mulher e do homem, destacaria a embolização das artérias uterinas para o tratamento de miomas e a embolização das artérias prostáticas para o tratamento da hiperplasia benigna da próstata, respetivamente.
A tendência atual é termos cada vez mais tratamentos minimamente invasivos no tratamento de múltiplas doenças. Com o maior conhecimento por parte dos nosso colegas médicos e profissionais de saúde, felizmente, a radiologia de intervenção chega a cada vez mais pessoas.”

Considera que há alguma relação causa-efeito dessas doenças com o estilo de vida? Que conselhos gostaria de deixar aos nossos leitores para se tornarem mais saudáveis?

“As doenças cardiovasculares e as doenças oncológicas, têm, na sua génese, uma influência importante de fatores externos relacionados com o estilo de vida, como o sedentarismo e a obesidade. Para além disso o tratamento destas doenças necessita da contribuição do exercício físico, sendo exemplo a reabilitação cardíaca, nas doenças cardiovasculares, mas também o reconhecimento recente por parte da European Society of Medical Oncology (ESMO), dos benefícios do exercício físico durante o tratamento do cancro, recomendando que todos os doentes com cancro estejam envolvidos em programas de exercício.
Os conselhos que posso dar, como médico, são conhecidos de todos: alimentação cuidada e variada, prática de exercício físico regular e evitar o consumo de álcool e tabaco. O grande desafio é que as pessoas consigam integrar, na sua vida, hábitos saudáveis. É necessário capacitar as pessoas comuns para hábitos de vida saudáveis, tendo em conta o seu contexto pessoal, familiar e profissional e as suas preferências pessoais. Aqui, a medicina tem falhado! As estatísticas relacionadas com o aumento do excesso de peso e obesidade e doenças com grande impacto pessoal e social como a diabetes, são prova desse falhanço. Não é por eu, como médico, dizer a alguém na consulta “deixe de fumar” ou “faça exercício físico”, ou “alimente-se corretamente”, que a pessoa passará a fazê-lo, mesmo que esteja totalmente informada. Mudar hábitos alimentares e de exercício físico, na correria diária que a maior parte das pessoas vive hoje, é um desafio subestimado. Acredito que os profissionais do exercício e da educação física são atores fundamentais na mudança deste paradigma. Só eles podem dar a resposta necessária para transformamos o conhecimento que temos sobre a importância do exercício, em mudança de hábitos de vida na população, com impacto na promoção da saúde.
O melhor conselho que posso dar, aos que querem adquirir hábitos alimentares e de vida mais saudáveis, é que não desistam! Que procurem quem os possa ajudar a integrar mudanças saudáveis na sua vida, nomeadamente a prática de exercício físico, de forma duradoura.

Como especialista em medicina desportiva seria a atividade física orientada benéfica nesses casos?

“A atividade física orientada beneficia todos! Não é difícil de entender que os atletas necessitam de acompanhamento de profissionais, nomeadamente do exercício físico, para melhorarem o seu desempenho e se protegerem do risco de lesões. A atividade física orientada é fundamental, mas não só nos atletas amadores e profissionais. As pessoas comuns, que não se dedicam a nenhum desporto, devem também ser adequadamente orientadas por profissionais. Se calhar têm ainda mais necessidades de acompanhamento do que os próprios atletas, porque se trata de melhorar a saúde e viver com maior qualidade de vida, com menos conhecimento de base. Todos deviam realizar exercício físico com algum tipo de orientação. Eu próprio recorro frequentemente aos profissionais do exercício físico para orientar o meu treino, porque me ajuda a manter o compromisso com a minha saúde e porque aprendo sempre com eles. O Algarve em geral tem condições ótimas para que as pessoas se mantenham ativas todo o ano. Iniciativas que partem do poder local, como o Faro Ativo, são fundamentais para divulgar e promover hábitos de vida saudáveis. No entanto, estas iniciativas atraem mais atletas, mesmo que amadores, do que pessoas que não realizam exercício físico e é aí que está o desafio no futuro: como atrair quem tem uma vida sedentária para a prática do exercício físico?”

Gostaria de partilhar a sua experiência em que esteve mais dedicado a exercer medicina desportiva? Houve algum caso em que o exercício físico tivesse tido um papel determinante na recuperação de uma lesão ou na melhoria da qualidade de vida?

“O meu contacto com a Medicina Desportiva começou tinha eu 7 ou 8 anos, quando, aos sábados de manhã, acompanhava religiosamente o meu pai, Manuel Veloso Gomes, à visita ao treino da equipa sénior de futebol do Sporting Clube Farense. Na altura o meu maior fascínio era poder conhecer os jogadores, orientados pelo grande Paco Fortes, no entanto, olhando para trás, também me apercebia da importância que a equipa médica tinha no dia-a-dia do plantel, não só do ponto de vista clínico, mas também do ponto de vista humano, que observava na interação dos jogadores com o meu pai e com o Fernando Belo. Os jogadores não são máquinas e muitas vezes os médicos são o último escudo de proteção contra a pressão profissional e mediática que os rodeia. O médico de medicina desportiva tem essa função, de proteger a saúde do atleta, e isso inclui a saúde mental. Felizmente muitos casos têm vindo a público, com vários jogadores, como André Gomes do Barcelona, a assumirem as dificuldades que atravessam com a depressão, reduzindo um pouco o estigma sobre a saúde mental dos atletas. No papel de defesa da saúde dos atletas, que os médicos de medicina desportiva assumem, pode ocorrer alguma tensão com as equipas técnicas e até com os próprios atletas, porque parar um atleta por motivos de saúde, pode surgir no momento mais importante da competição. É necessária uma grande confiança entre atletas, equipas médica e técnica, para que performance e saúde estejam equilibradas.
Realizei a minha pós-graduação em medicina desportiva, pela Sociedade Portuguesa de Medicina Desportiva, logo a seguir a terminar a licenciatura em medicina. Na Clínica de Cardiologia e Medicina Desportiva Veloso Gomes, contactei com centenas de atletas amadores e profissionais de inúmeras modalidades, de todas as idades, quer na realização de exames médico-desportivos, quer no acompanhamento da prevenção e reabilitação de lesões. Integrei também a equipa médica da equipa de futebol profissional do Sporting Cube Olhanense durante vários anos. Recordo um caso particular nesse período quando, numa visita a Paços de Ferreira, o jogador Ivanildo Cassamá fraturou o braço numa jogada sem aparato nenhum. Quando chegámos junto dele, tinha o braço claramente deformado e decidimos reduzir a fratura de imediato, porque ele não suportava as dores. Os jogadores discutiam em nosso redor e o árbitro mandava-nos sair do campo, enquanto nós tentávamos fazer o nosso trabalho. Saímos do campo para o Hospital, debaixo de insultos e, mais tarde, vim a saber que o árbitro fez queixa de mim e que me foi aplicada uma multa pela Federação de Portuguesa de Futebol! Eu desculpei-lhe a interferência no meu trabalho, mas ele não me perdoou as injúrias…
Num papel diferente, recordo-me do jogador Fernando Alexandre, “cliente” frequente do departamento médico, também nesse período. O Fernando Alexandre era um duro! Por mais lesões que tivesse, jogava e dava tudo dentro do campo, em todos os jogos. Cheguei, inclusivamente, a suturar-lhe a cabeça! Nestes jogadores, a gestão feita através do exercício físico orientado por profissionais é fundamental, porque a mentalidade anda à frente do que o físico permite. Os jogadores profissionais têm que recuperar ativamente das suas lesões, para minimizar a perda de forma física e isso requer orientação profissional que, muitas vezes, nem médicos nem treinadores, são capazes de oferecer.”

Sabemos que teve uma experiência no estrangeiro, nomeadamente em Glasgow. Como era visto o profissional do exercício? Como funcionava a comunicação entre o profissional de saúde e o do exercício? Gostaria de deixar algum conselho para melhorar este aspeto em Portugal?

“Fiz todo o curso de Medicina na Universidade de Glasgow. No Reino Unido, em geral, existe uma cultura de trabalho multidisciplinar muito mais aprofundada do que cá. Isso era visível nos Hospitais, na relação entre médicos, enfermeiros, técnicos de diagnóstico e terapêutica e outros profissionais de saúde. Quando finalizei o 3º ano do curso, realizei um estágio de medicina desportiva no Narrabeen Sports Medicine Center, na Sydney Academy of Sports, Austrália, durante três meses. Aí testemunhei também essa cultura, onde médicos, especialistas em medicina desportiva, juntamente com fisioterapeutas, podologistas, profissionais de educação física e desporto, trabalhavam em prol dos atletas amadores e profissionais, com uma abertura que até há bem pouco tempo era difícil de ver por cá. A comunicação entre eles era aberta, sem barreiras, respeitando as competências de cada um. A liderança médica não se impunha pela tirania, mas pela coordenação de esforços dos diferentes profissionais.
Em Sydney, tive a oportunidade de seguir uma equipa profissional de Rugby League (uma modalidade ligeiramente diferente do mais conhecido Rugby Union), os Manly SeaEagles. Nos dias após os jogos, era raro o jogador que não passava pelo departamento médico para avaliar as suas dores. Aí eram todos Fernandos Alexandres: resiliência pura! Na Austrália impressionou-me também a cultura desportiva do país, transversal a toda a população.
No desporto, na saúde e em qualquer área, o trabalho multidisciplinar é essencial para o sucesso. Quem não perceber isso, fica para trás! Mas creio que a mudança para melhor está a ocorrer em Portugal.”

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