As fórmulas de sucesso ou o viés do sobrevivente (cidadão comum vs treino do atleta)?
Foi sob a rubrica “o treino do cidadão comum vs o treino do atleta” do blog da Personal Training Excelence que este tema inspirou esta pequena reflexão que aqui partilho. Apesar das diferenças do processo de treino de um atleta em comparação com o do cidadão comum, os colegas Gonçalo André e Luísa Raposo deixaram claro que tal não significa que o grau de complexidade diminua quando os objetivos são no âmbito da melhoria das capacidades funcionais e da saúde. Sendo que na maioria das vezes o grau de controlo ou de acompanhamento multidisciplinar a que um atleta tem acesso é muito superior quando comparado a outras populações, para que não se caia na arbitrariedade de prescrever treino sem dados minimamente objetivos, o conhecimento de fundo e a reflexão do treinador são imperativos. Por exemplo, o que seria aplicar o princípio da sobrecarga a um sedentário sem o conhecimento basilar mas minimamente aprofundado da anatomia, fisiologia e biomecânica? Certamente, os danos seriam maiores que os benefícios.
Desde sempre o desporto de alta performance e as prestações dos atletas foram alvo da admiração do cidadão comum. Também no fitness o alcance de objetivos estéticos suscitam essa admiração. Posto isto, o impulso mais natural quer do cidadão comum, quer mesmo de alguns atletas amadores (mas infelizmente também verificado nalguns treinadores) tem sido o da imitação dos modelos ou processos de treino que levaram ao sucesso ou alcance de objetivos sobre-humanos. É frequente ignorar-se a parte dos sujeitos nos quais as populares “fórmulas de sucesso” foram inócuas ou até mesmo desastrosas! E por “desastrosas” entenda-se não apenas o fracasso desportivo mas sobretudo o risco da integridade física dos praticantes. “Dos fracos não reza a história”, costuma dizer-se. Mas não é de missas e argumentos circulares como se de uma religião se tratasse, que tanto o desporto quanto o exercício e saúde fazem o seu progresso na direção certa. Mas então, o que são “MÉTODOS DE TREINO”??? E se, esses de quem a história não reza, forem a verdadeira prova silenciosa acerca dos julgamentos e conclusões tremendamente enganados das “fórmulas de sucesso”? E se, aqueles que atingiram o sucesso, mais não foram os sobreviventes a um processo que na verdade é de selecção porque a natureza lhes deu um pouco mais? E se, as taxas de abandono nos clubes de fitness pudessem ser explicadas, em parte, por esse mesmo fenómeno: um enviesamento ou erro na interpretação nas reais causas de quem atinge determinados objetivos, neste caso um viés do sobrevivente?
À semelhança do atleta de elite, a particularidade do cidadão comum deve ser tida em conta mesmo que de modo mais grosseiro uma vez que os constrangimentos atuais nos remetem para treinos à distância. Por isso, a todos os praticantes de exercício físico/desportistas amadores deixo a seguinte mensagem: o papel do educador físico passa na maioria das vezes pela regulação das expectativas dos primeiros. Este difícil papel de filtrar informação enganosa no que ao exercício físico diz respeito e popularizada pelas redes sociais deve passar pelo crivo de um profissional certificado. Que as grandes estrelas do desporto ou do fitness nos sirvam de inspiração não tem mal algum. Que essa inspiração não resulte em objetivos irrealistas e vos deixe a um passo do abismo (da lesão ou incapacidade!) será algo que por vezes resultará em algum “atrito”, permitam-me, saudável com o vosso treinador. Na verdade, num país para o qual a atividade física é um bem de luxo e raramente é promovida pelo Estado (e quando acontece é tecnicamente medíocre), o cidadão comum, por sua iniciativa, ao procurar acompanhamento especializado é já à partida um vencedor…