Dr. Igor Glória, Interno de Medicina Geral e Familiar no Centro de Saúde de Faro – USF Farol; Professor Assistente Convidado no Mestrado Integrado em Medicina – UALG; Pós-graduado em Medicina Desportiva e em Medicina Legal e Ciências Forenses fala sobre o carácter preventivo da especialidade de Medicina Geral e Familiar, a importância de se prescrever atividade física com um acompanhamento individualizado e porque deveríamos ir às consultas para prevenir doenças e não apenas quando já estamos doentes. Aborda ainda a necessidade do Médico de Família trabalhar em complementaridade com as outras especialidades hospitalares, mas também com os enfermeiros, nutricionistas, psicólogos, assistentes sociais, técnicos de diagnóstico e terapêutica e pessoal administrativo na gestão do doente crónico.
1. No que consiste a Medicina Geral Familiar?
“A especialidade de MGF considera o utente no seu todo, na sua dimensão biológica, psíquica, social e cultural. Um dos focos do Médico de Família é, e deve continuar a ser, a prevenção da doença e a promoção da saúde. Embora o panorama tenha vindo a mudar gradualmente, ainda se olha para o Médico de Família de uma forma muito medicalizada – “Vou à consulta porque estou doente, porque preciso de medicamentos, porque não me sinto bem”, quando o raciocínio devia ser – “vou à consulta porque quero evitar doenças e ter qualidade de vida”. Claro que o médico de família tem competências para atuar sobre grande parte das patologias crónicas, no entanto o foco deveria ser evitá-las a todo o custo (prevenção primária). Não sendo possível evitá-las, impedir o seu agravamento (prevenção secundária), ou minimizar as suas sequelas (prevenção terciária). É mais barato, mais simples e menos doloroso fazer um procedimento preventivo (uma vacina, colonoscopia, mamografia), do que tratar uma pneumonia, operar um cancro ou fazer ciclos de quimioterapia, com todos os custos, sofrimento e perda de qualidade de vida que estas intervenções acarretam. São medidas preventivas simples, eficazes e acessíveis a todos, que comprovadamente salvam vidas.
2. Considera que o Médico de Família deve fomentar a atividade física?
A modificação de estilos de vida (nomeadamente a alimentação e a atividade física), é a primeira e a mais importante medida na prevenção e no tratamento da patologia cardiovascular. A atividade física é a verdadeira “pílula dourada” da saúde, infelizmente não é possível colocar uma caminhada, ou uma sessão de ginásio, dentro de uma cápsula e tomar com um copo de água. No entanto o exercício físico pode e deve ser prescrito tal qual medicamento, uma vez que é tão importante quanto a farmacoterapia, principalmente no tratamento dos fatores de risco cardiovasculares (Hipertensão, Diabetes, Dislipidemias, Depressão, Tabagismo, Doença Vascular e Obesidade). A título de exemplo, um doente diabético seguido na minha consulta, leva uma prescrição de um antidiabético oral (Metformina 1000mg 2xdia) + Caminhada 45min 3x semana + Dieta com restrição calórica. A alimentação e o exercício físico devem ser SEMPRE prescritos conjuntamente com a farmacoterapia. No entanto, prescrever atividade física não é dizer ao doente “tem de se mexer” ou “faça exercício”! É obrigatório especificar o tipo de exercício, quantificar a carga e dosear o esforço de acordo com as necessidades, as co-morbilidades e as características específicas de cada pessoa. A grande maioria da população não possui capacidades básicas de treino físico, daí a necessidade de um acompanhamento individualizado por um técnico que detenha essas competências. O doente “típico” de 60 anos, obeso, hipertenso e diabético, não pode levantar-se às 7 da manhã e ir correr 15km, pois o mais provável é ter um enfarte! Do mesmo modo prescrever uma dieta não é dizer “feche a boca” ou “tem de comer menos”. É necessário um acompanhamento especializado no qual se especifique a quantidade, a frequência e o tipo de alimentos a ingerir, mais uma vez tendo em conta o biótipo, as necessidades nutricionais e as co-morbilidades de cada indivíduo. Por fim, só a ressalva de que a atividade física NÃO serve para compensar outros comportamentos nocivos! Correr não vai fazer “tossir o alcatrão dos cigarros”, nem “suar o álcool” nem “destoxificar o fígado das frituras”!
3. Quais os principais desafios da Medicina Geral e Familiar nos próximos anos?
“Em 1.º lugar, tornar a medicina preventiva verdadeiramente acessível a todos. Ainda existe uma grande discrepância entre as grandes cidades e o meio rural na acessibilidade ao médico de família e aos meios tecnológicos mais diferenciados. A gestão de recursos humanos em saúde, a gestão de equipamentos e a formação pré e pós-graduada são assuntos que têm de ser revistos e adaptados às necessidades específicas de cada região. A organização dos cuidados de saúde primários em Unidades de Saúde Familiar (USF) já permitiu enormes poupanças ao estado, melhor gestão de recursos humanos e superior qualidade nos cuidados ao doente, no entanto muito ainda têm de ser melhorado. O Algarve é e vai continuar a ser nos próximos anos, uma região muito carenciada não só em médicos de família, mas em todas as especialidades hospitalares.
Depois, a interdisciplinaridade, que tem de ser melhorada no melhor interesse do doente. Cada Médico de Família tem uma lista de 1800 a 1900 doentes, numa população cada vez mais envelhecida e cada vez mais doente, que necessita de abordagens e cuidados individualizados. É imprescindível a colaboração não só das especialidades hospitalares, mas também dos enfermeiros, nutricionistas, psicólogos, assistentes sociais, técnicos de diagnóstico e terapêutica, pessoal administrativo – todos são importantes e têm que se aliar ao médico de família na gestão do doente crónico. Por fim, a adoção de novas competências, principalmente no que diz respeito à medicina preventiva. Por exemplo, em 2017 iniciou um projeto de rastreio de doença pulmonar obstrutiva crónica, através da realização de espirometria nos Centros de Saúde, em colaboração com o serviço de Pneumologia do Centro Hospitalar Universitário de Faro; já a consulta especializada de Cessação Tabágica foi implementada nos Cuidados de saúde primários há mais de 10 anos; em 2019 está previsto iniciar, no âmbito dos cuidados primários, uma consulta de prescrição de atividade física. A subespecialização já é, e continuará a ser uma realidade dentro da Medicina Familiar.”
Dr. Igor Glória, Interno de Medicina Geral e Familiar no Centro de Saúde de Faro – USF Farol; Professor Assistente Convidado no Mestrado Integrado em Medicina – UALG; Pós-graduado em Medicina Desportiva e em Medicina Legal e Ciências Forenses