– Olá Dr Pedro Morouço. É conhecida a sua enorme paixão pela natação. Como foi feito o percurso nesta modalidade até se envolver no alto rendimento?
Muito bom dia, boa tarde ou boa noite, a todos os que nos estão a ler. Antes da natação, eu sou um ser de paixões. Acredito que essa é uma forte fonte de energia para o sucesso. Fazer algo pelo qual não se sente paixão é, certamente, muito menos recompensador do que fazermos o que nos apaixona. E a natação teve esse encanto. Acredito pouco em coincidências. Quando estava na faculdade, ao chegar ao 3º ano, tive de escolher uma opção. Mil e uma dúvidas se levantavam. Dizia-se então que só ia para natação quem gostava de “marrar”, fazer muitas contas, tentar compreender o difícil… muita biomecânica e fisiologia. Nesse dia as torres gémeas caíram e não foi preciso dizer mais nada.
– São apontadas inúmeras vantagens da natação ao nível da saúde em geral. É também frequente a prescrição desta modalidade na melhoria da saúde articular, nomeadamente ao nível da coluna, por parte dos médicos. Gostaria de destacar algumas vantagens e assinalar os principais benefícios para esse grupo em particular?
Posso também falar dos malefícios? Lembro-me que em 2005 estava a coordenar uma escola de natação e chegou uma Sra. com referenciação médica para começar a natação. Claro que quis saber mais, e essa recomendação resultou de uma hérnia discal L4-L5. Perguntei à Sra. se sabia nadar e ela disse que se safava… sabia nadar “à rã”. Alguém tem dúvidas que essa aproximação ao bruços não trará benefícios à zona lombar da Sra.? Ou seja, independentemente da modalidade, a compreensão clara dos mecanismos envolvidos é fundamental. A natação faz bem, se for adequada.
– Como especialista de treino de Força e da condição física como acha que o treino de força (em seco) deve relacionar-se com as atividades na água nesse espeto?
Essa foi a minha pergunta de partida para o meu doutoramento. Se cheguei a alguma resposta? Talvez a meia, e depois a mais umas 4 ou 5 questões. Vejamos a perspectiva de natação de rendimento. O nado de crol utilizado no recorde do mundo dos 50 Livres é muito diferente do nado de crol dos 1500 Livres. Depois, claro, dependo das técnicas de nado, também o gesto técnico é diferente. E, com isso, solicitadas diferentes musculaturas. Assim, hoje, não tenho dúvidas que o treino de força é fundamental para os nadadores, quer numa perspetiva de rendimento, quer na ótica de prevenção e recuperação de lesões. O que é necessário é perceber se os ganhos de força se coadunam com os ganhos de velocidade na água. Compreender, avaliando e monitorizando, se a força está a ser devidamente aplicada no meio aquático.
– Como em todas as modalidades, na esfera do alto rendimento, a natação também não está imune a lesões mais específicas, nomeadamente ao nível dos ombros. Considera que o Treino de força (em seco) poderá assumir um papel importante na prevenção dessas lesões assim como também contribuir na melhoria da performance?
Sem dúvida. Quem não conhece os trabalhos do meu amigo Nuno Batalha, tem de os ir procurar. A musculatura do peito, ombro e costas é bastante solicitada na natação (como já dito anteriormente, claro que com diferenças de acordo com a distância e técnica utilizada). E os exercícios em ginásio para trabalhar estas zonas musculares não recorrem, na sua grande maioria, à articulação glenohumeral? É, por isso, fundamental perceber as vantagens que o reforço em seco pode trazer. Utilizado adequadamente não tenho duvidas da sua potencialidade para ambos os domínios.
– No que toca à técnica específica da modalidade (skill) o treino de força, novamente como em tantas outras modalidades, pode degradar a mesma? As adaptações positivas ao invés das negativas estão, na sua opinião, mais dependentes do quê?
Tenho muitas dúvidas em relação a essa primeira questão. E, por isso mesmo, posso reformulá-la? No que toca à técnica específica o treino de força, devidamente prescrito e monitorizado, pode degradar a mesma? Eu creio que não. Creio muito mais que essa “degradação” pode advir da falta do que acrescentei, de o treino não ser o mais adequado. Temos, ou devemos, perceber que numa etapa de alto rendimento, e principalmente para distâncias mais curtas, o treino em seco é fundamental. Diria até crucial. Agora, será que o treinador consegue enquadrar na sua atividade protocolos pormenorizados de avaliação, para uma adaptável prescrição e monitorização? Ou até que detém o conhecimento para o fazer? Ou precisa de algum recurso humano, especialista nessa área, para, em equipa, potenciar o rendimento dos seus nadadores?
– Como surgiu a necessidade e interesse de se especializar em biomecânica? Que vantagens o domínio dessa área pode trazer tanto no treino de uma modalidade como na preparação física de um modo geral?
Primeiro que tudo o gosto pelos números. Lembro-me muito bem que durante a infância e adolescência eu levava na cabeça dos meus pais porque as minhas composições eram uma treta. O meu irmão levava pelas dificuldades na tabuada. Não temos de ter todos jeito para o mesmo, e os números sempre me apaixonaram muito mais do que as letras. Conheci a biomecânica com o Professor Doutor João Paulo Vilas-Boas. Na sala de aula, claro. Mas acima de tudo nas conversas informais na sua quinta quando me estava a ajudar a fazer a tese de licenciatura. A forma de conseguir estimular os outros a compreender por si o que ele dizia nas entrelinhas obrigou-me a esse interesse. Desde essa altura até agora, tem sido uma evolução crescente por ser uma área de eterna descoberta. E, claro, acho que ajuda imenso a compreender, de forma aprofundada, o movimento humano. Nos últimos anos, por força das circunstâncias, tenho trabalhado mais na saúde do que no rendimento, e tenho-me apercebido da necessidade premente de formar mais e melhor os profissionais nessa área. Somente compreendendo as forças associadas ao movimento, ou à ausência dele, conseguimos compreender as cargas internas que podem, ou não, ser as adequadas aquele sujeito. Costumo dizer que mandar fazer um agachamento, todos mandam. Ter olho clínico para o corrigir, já nem tanto.
– No que diz respeito ao envelhecimento ativo e saudável que recomendações deixa para que o treino na água possa coabitar com o treino de força fora desta?
Sei que escrevi muito mais numa perspetiva de rendimento do que de saúde. Mas sim, a água pode ser um excelente instrumento de trabalho para o envelhecimento ativo e saudável. Ela pode ser usada como uma resistência tridimensional em que, manipulando as alavancas, podemos criar mais ou menos resistência, em qualquer um dos eixos utilizados. Lá está, é preciso perceber o fundamento. Por exemplo, vemos uma elevada quantidade de pessoas de mais idade a optarem pela prática da hidroginástica. Ótimo. Mas ainda recentemente assisti numa aula a 7 min. de exercícios em que os membros superiores subiam e desciam, quebrando a tensão superficial da água. Com o diferencial de densidade que todos conhecemos entre ar e água, aqueles movimentos balísticos fazem bem a alguma cintura escapular? Duvido. Concluindo, cada caso é um caso. E quanto melhor estudado, mais adequado consegue ser o trabalho, para aquele momento!
Tendo como afiliação principal Professor Adjunto no Instituto Politécnico de Leiria, Pedro Morouço é doutor em Ciências do Desporto pela Universidade da Beira Interior, Certified Strength and Conditioning Specialist pela National Strength and Conditioning Association e Credenciado Nível 1 em Exercise is Medicine pela American College of Sports Medicine.
Atualmente é Professor Adjunto do Instituto Politécnico de Leiria, desempenhado as funções de coordenador do mestrado em Prescrição do Exercício e Promoção da Saúde, é Fisiologista do Exercício na Unidade de Saúde Familiar – Santiago, no âmbito do projeto de Consulta de Atividade Física da Direção Geral de Saúde, e é Investigador do grupo Neuromechanics in Human Movement do CIPER – Universidade de Lisboa. Faz parte da direção da Federação Portuguesa de Natação (2016-2020) e da direção da International Society of Biomechanics in Sports (2016-2020). Em 2014 foi premiado com o “New Investigator Award” e em 2017 com o “Hans Gros Emerging Researcher Award” pela International Society of Biomechanics in Sports.
Mais recentemente foi premiado pela American Journal Experts e recebeu o Prémio Prestígio pelo Município de Leiria na 3ª Gala do Desporto. Autor de inúmeros trabalhos de investigação, participa em diversos projetos de investigação nacionais e internacionais, relacionados com a Prescrição de Exercício, o Envelhecimento Saudável e as Novas Tecnologias no apoio ao Exercício e Saúde.