André Cruz, 33 anos, Médico Oncologista com subespecialidade em cancro digestivo, ex- praticante de ténis federado, atualmente mantém prática regular recreativa/amadora
Infelizmente, assistimos a cada vez mais pessoas com problemas oncológicos. O Cancro é considerado a doença do século. É possível perceber as razões para esta tendência?
“As doenças oncológicas constituem uma das maiores preocupações de saúde pública do séc. XXI pelo aumento crescente da incidência. Em Portugal, tem-se registado um aumento de 3-4% por ano e só em 2017 foram diagnosticados 50 mil novos casos. As estimativas da Organização Mundial de Saúde para 2030 em Portugal e globalmente são ainda mais preocupantes. É uma doença que faz parte do natural processo de envelhecimento. O aumento da incidência está em parte relacionado com disponibilidade de melhores e mais abrangentes métodos de diagnóstico. Contudo, verifica-se também um aumento na população mais jovem, com reconhecida influência de fatores externos como o estilo de vida, alimentação e a poluição ambiental.”
Alguns desses casos devem-se a consequências do estilo de vida. Que hábitos ou procedimentos recomenda para inverter esta tendência?
“Sem dúvida que a crescente industrialização e ocidentalização da sociedade moderna constituem um fator de risco. Não só o fator ambiental, mas acima de tudo o estilo de vida poderá contribuir para o desenvolvimento desta patologia em faixas etárias cada vez mais jovens. O sedentarismo, a alimentação pouco saudável (excesso de alimentos processados, fumados, carnes vermelhas), o alcoolismo e o tabagismo, muitas vezes associados a obesidade, predispõem o corpo para ser afetado pelo Síndrome Metabólico, fator de risco não só para o cancro mas também para doenças cardiovasculares. Atualmente, e com a crescente consciencialização em saúde, surgem várias correntes e mitos sobretudo a nível alimentar, não só como prevenção desta doença mas também após o diagnóstico. Até à data, não há evidência científica que justifique extremismos. Sabe-se sim que a prática regular de exercício físico, a evicção alcoólica e tabágica e uma dieta variada saudável (designada mediterrânica) são peças chave na prevenção e em sobreviventes do cancro, diminuindo quer a sua incidência quer o risco de a doença voltar.”
Há alguns casos em que a doença nada tenha a ver com o estilo de vida? Quais?
“Sim, apesar de na sua grande maioria o cancro ser resultado de um fenómeno esporádico (envelhecimento e interação genoma-ambiente), há uma percentagem não desprezível, inferior a 10%, de casos hereditários. Nestes casos, para além da importância de um estilo de vida saudável, o reconhecimento de síndromes genéticos na família, programas de rastreio e diagnóstico precoce são essenciais. Uma avaliação pelo Oncologista e Geneticista é imprescindível.”
Felizmente, a medicina está sempre a evoluir, o que dá esperança a cada vez mais doentes. Pode falar-nos dos principais progressos na sua área?
“Apesar do aumento da incidência, a taxa de mortalidade tem estabilizado. Paralelamente a grandes avanços terapêuticos, como a imunoterapia e outras terapêuticas-alvo (já amplamente utilizados quando indicadas), os programas de rastreio e acesso a diagnóstico precoce são o grande avanço em Oncologia e podem salvar vidas. O estilo de vida saudável que englobe exercício físico regular e alimentação equilibrada é, sem dúvida, um grande aliado neste combate.”
Há várias histórias de sucesso no mundo do desporto de atletas que venceram o cancro e conquistaram grandes feitos nas suas carreiras. Gostaria de destacar algum caso que o tenha marcado?
“O caso de Lance Armstrong, o ex-ciclista americano que infelizmente ficou marcado para a história pela polémica do “dopping”, é, sem dúvida, um exemplo de inspiração. Um atleta que, após o tratamento bem sucedido contra o cancro do testículo, vence sete vezes o Tour de France, independentemente do fator “dopping”, desmistifica a vulgar sentença que esta doença constitui e é um exemplo de superação e do benefício da prática desportiva. Noutro nível mediático, um atleta com 77 anos, Don Wrigth, já completou 100 maratonas 15 anos depois do seu diagnóstico e de tratamento constante para o mieloma múltiplo, cancro considerado incurável.”
Está cada vez mais comprovado que o exercício físico orientado é benéfico em várias fases da doença. Nomeadamente o treino de força. Concorda? Porquê? Que recomendações gostaria de dar neste caso.
“O exercício físico é fundamental em todas as fases da doença, mas sobretudo quando o paciente se encontra a fazer tratamentos de quimioterapia (e outros tratamentos anti- neoplásicos agressivos). Nesta fase o fortalecimento muscular (massa magra) e o reforço da imunidade associado, são grandes aliados para que a pessoa se sinta bem e tolere muito melhor os efeitos secundários associados. Este fenómeno pode explicar-se pelo facto de os fármacos serem tendencialmente hidrossolúveis, e o músculo tem água (ao contrário da massa gorda), pelo que se minimizam “doses tóxicas” verificadas em pessoas obesas. Uma consequência do treino de força é também a maior atividade das células imunitárias NK (“natural-killer”), por si mesmas um mecanismo natural de combate ao cancro. É um efeito “bola de neve”, que culmina no bem estar e no maior sucesso terapêutico para combater a doença. Tenho verificado os melhores resultados em termos de tolerância e eficácia dos tratamentos nos pacientes que praticam adequadamente exercício físico regular. O exercício físico deve ser acompanhado e conduzido por profissionais experientes para adaptar os treinos à condição individual de cada um. A multidisciplinaridade entre o médico e o profissional do exercício, infelizmente ainda residual, deve ser fomentada e a cultura do exercício uma realidade nos pacientes e sociedade em geral.”