Dra Catarina Ribeiro, médica especialista em Oncologia Médica, desempenha funções também no INEM e está a realizar o doutoramento em ciências da saúde com bolsa da Fundação Calouste de Gulbenkian. Conta com vários trabalhos apresentados em congressos nacionais e internacionais, alguns dos quais premiados, colaborou e coordenou diversos projetos de investigação. Realizou os módulos da certificação em Medicina Funcional do Institute of Functional Medicine nos EUA. Dá consultas em diversas clínicas nas áreas de Oncologia Médica, Dor e Medicina Funcional.
Desde sempre o desporto fez parte do seu percurso, tendo sido atleta federada de ginástica rítmica no Boavista F.C.. Passou por diversas modalidades, como o ténis, esgrima, natação, escalada, etc.. Mais recentemente, após algumas meias maratonas, desafiou-se a correr a Maratona do Porto, desafio que superou. Juntamente com a corrida, foi desenvolvendo o gosto pela treino de força que inclui de forma regular no seu dia-a-dia.
1- No que consiste a Medicina Funcional e quais os fatores diferenciadores ao nível da prática clínica?
“A medicina funcional caracteriza-se por, por um lado, avaliar sempre a pessoa como um todo (ao invés de cada órgão ou sistema isoladamente) e, por outro, focar a abordagem nas causas dos problemas de saúde (e não tratar apenas as manifestações ou sintomas com medicação). Esta abordagem da pessoa como um todo e focada nas causas das alterações permite-nos muitas vezes perceber como vários sintomas estão relacionados na sua raiz e, também, atuar de modo a obter melhores resultados e, frequentemente, reduzir ou dispensar o uso de medicação regular / crónica. Isto só é possível através da alteração dos hábitos e estilo de vida, incluindo alimentação, exercício físico e atividade física, sono e, quando necessário, suplementação.”
2- A Medicina Funcional é, então, uma medicina individualizada e que procura ajustar os hábitos e estilo de vida para maiores ganhos em saúde. Quando e porque sentiu a necessidade de dar esta resposta aos seus pacientes?
“Desde cedo percebi que só se poderia falar em saúde e prestar os melhores cuidados se percebermos também as condicionantes que levam a uma doença ou sintoma se manifestar num indivíduo. E isto passa por diversos fatores, sendo que a alimentação, a atividade física e todos os nossos hábitos e aquilo a que estamos expostos ao longo da nossa vida. A genética tem influência, sim, mas os nossos comportamentos e exposição são muito mais determinantes influenciando, também, a forma como a nossa informação genética chega, ou não, a manifestar-se (a isto chama-se epigenética).
Trabalhando mais diretamente com pessoas com cancro, comecei a sentir ainda mais necessidade de estudar e procurar saber mais sobre como ajudar essas pessoas a melhorarem a sua qualidade de vida e saúde a longo prazo através daquilo que lhes é mais acessível e indispensável – a alimentação, exercício e estilo de vida. ”
3- Quais as patologias que mais afetam a sociedade e que poderiam beneficiar desta forma diferente de tratar e prevenir os problemas de saúde?
“À medida que vamos estudando e ficando a saber mais sobre as chamadas “civilizações ancestrais”, percebemos que grande parte das doenças crónicas do século XXI (verdadeiras epidemias como a diabetes, hipertensão, alterações do colesterol, cancro, alterações da digestão, doenças autoimunes, etc…) estão ausentes nessas populações, independentemente da sua longevidade. Estes estudos são de extrema importância pois permitem-nos perceber que as doenças que consideramos “normais” ou “da idade” serão consequência dos nossos hábitos e exposição ambiental, sendo que começamos também a perceber como poderemos ajustar o nosso estilo de vida de modo a reduzir o seu risco. São inúmeras (diria até a maioria) as patologias crónicas que podem beneficiar desta abordagem. Nem todas vamos conseguir resolver, mas seguramente em muitas poderemos ter um impacto significativo para melhorar os sintomas, a qualidade de vida e até reduzir ou eliminar a necessidade de medicação crónica.”
4- Porque é que o exercício físico é um dos pilares na sua forma de tratar os pacientes?
“O bem estar do nosso corpo é indissociável do movimento – evidência científica disto não falta e acho que não há quem possa questionar. Considero ideal que incluamos atividade física no nosso dia-a-dia de uma forma consistente, para os maiores ganhos em saúde. Hoje em dia a maioria das pessoas, tendo trabalhos maioritariamente sentados e recorrendo ao carro como meio de transporte (até as compras já podem ser feitas do conforto do sofá..) tem uma vida extremamente sedentária. Escolhas como evitar elevadores preferindo escadas, andar a pé sempre que possível, passear os animais domésticos regularmente, brincar com as crianças, realizar tarefas domésticas, carregar compras do supermercado, etc, permitem-nos manter o corpo ativo com todos os benefícios metabólicos (e não só) que isto traz.
Para além de incluirmos, assim, atividade física no nosso dia a dia, os estudos têm demonstrado a importância de períodos dedicados à prática de exercício, havendo benefícios para a saúde e bem estar tanto do treino cardiovascular como de musculação (não que tenham de ser indissociados – é possível treinar a capacidade cardiovascular através do treino de carga). Em particular, também pela dedicação do meu mestrado e doutoramento a este tema, tenho desenvolvido um interesse pelo papel do músculo na nossa saúde.
No cancro, o músculo assume um papel importante tanto para prevenção, como durante o tratamento (em doentes a fazerem quimioterapia ou radioterapia, para recuperação de cirurgias, etc..) e no pós tratamento, para melhor qualidade de vida futura, menos efeitos secundários das terapêuticas e, possivelmente, menos recidivas. Com o nível de evidência atual não podemos não incluir exercício como parte integrante dos tratamentos e do plano de cuidados não só de um doente com cancro como de qualquer pessoa que nos procura para melhorar a saúde ou atuar preventivamente.
Mas para o público em geral, é importante passar a mensagem de que ambos são importantes e um não substitui o outro – uma pessoa pode realizar exercício físico 3 ou 4 vezes por semana e ainda assim ser sedentário no seu dia-a-dia e ter consequências negativas para a saúde deste sedentarismo predominante. ”
5- Tal como os personal trainers especializados evitam atuar de forma protocolizada e aplicam uma forma de trabalhar centrada nas características individuais de cada aluno, a medicina funcional aplica o mesmo raciocínio junto dos seus pacientes. Quais as grandes vantagens de aliar o treino personalizado a uma medicina com o mesmo tipo de raciocínio e abordagem?
“Ao evitarmos tratar sintomas e diagnósticos, mas concentrarmos a nossa abordagem na pessoa como um todo, percebemos que cada indivíduo é fruto de uma complexa interação de várias esferas (o corpo, a mente, o enquadramento social e cultural, etc…). Deste modo, compreende-se que dificilmente se obterá o maior benefício com uma estratégia “encaixando” uma pessoa num rótulo e, de acordo com isto, implementar um protocolo de tratamento não individualizado. Um personal trainer, num primeiro contacto, faz uma avaliação completa do indivíduo, da forma como se movimenta, da sua capacidade física e problemas de saúde que possam ter impacto e, de acordo com isto, desenha um plano de treino específico para aquela pessoa e objetivos pretendidos. Na medicina, face à vastidão de conhecimento e áreas que se cruzam e interagem com a saúde, esta personalização é ainda mais complexa, urgente e indispensável. Na medicina funcional, a nossa abordagem completa da pessoa nos vários domínios e sempre integrando os seus hábitos, permite-nos desenvolver uma estratégia e plano verdadeiramente personalizados e integrar as várias áreas multidisciplinares que se complementam, com o objectivo de dar mais anos de vida com saúde, envelhecendo tão jovens quanto possível. Isto só é possível com uma abordagem verdadeiramente integrada e multidisciplinar.”
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