Dr Alexandre Mestre, advogado, colaborando como Consultor na Abreu Advogados, desde 2014, depois de ter passado por duas outras sociedades de advogados e pelo Governo, num primeiro momento como Adjunto do Secretário de Estado com a tutela do desporto e da juventude e anos depois como Secretário de Estado dessas mesmas áreas. Por outro lado, dedica-se à docência Universitária e à formação, em Portugal e no estrangeiro, quase sempre no âmbito do Direito do Desporto, mas também em áreas como a Ética, a Governança, as Políticas Públicas no Desporto e, mais recentemente, no Direito Internacional Privado.
1- Enquanto esteve decretado o “Estado de Emergência” existiram muitas dúvidas no que diz respeito ao exercício . Em que circunstâncias era permitido a prática do mesmo?
“De forma muito resumida direi que durante o Estado de Emergência foi possível aos Portugueses, mesmo aqueles com maior dose de risco, designadamente maiores de 70 anos ou portadores de certas doenças, fazer atividade física de curta duração e fruir de momentos ao ar livre. O que se proibiu foi o exercício atividade física coletiva, ou seja, de duas ou mais pessoas juntas.
Concordei com essas medidas – a atividade física é mais do que essencial – mas não deixei de lamentar o facto de o legislador não ter definido o que seria “curta duração”, omissão que conduziu a muitos abusos e posturas negligentes.
Por outro lado discordei de não haver sanção para o incumprimento, mas, felizmente, a maioria dos Portugueses foi exemplar e, digamos, autorregularam-se, minimizando riscos.
Num outro plano, foi determinado o encerramento de infraestruturas desportivas, ou seja, dos espaços edificados, fechados, tendo-se aberto uma única exceção: inicialmente as infraestruturas destinadas a atividades dos atletas de alto rendimento e, mais tarde, também as que fossem utilizadas por praticantes desportivos profissionais, em contexto de treino.”
2- No entanto, ao ser decretado o “Estado de Calamidade”, vão ser liberalizadas algumas práticas, nomeadamente em regime outdoor. Pode explicar-nos o que mudou?
“A 30 de Abril foi publicada a Resolução do Conselho de Ministros que declarou a situação de calamidade. No preâmbulo lê-se que “passa a ser admitida a atividade física e a prática desportiva ao ar livre que não envolva contacto físico, desde que no respeito de regras de higiene e sanitárias.”
E depois, há uma norma que começa por prever que a “prática de atividade física e desportiva em contexto não competitivo e ao ar livre pode ser realizada, desde que se assegurem as seguintes condições: a) Respeito de um distanciamento mínimo de dois metros entre cidadãos, para atividades que se realizem lado-a-lado, ou de quatro metros, para atividades em fila; b) Impedimento de partilha de materiais e equipamentos, incluindo sessões com treinadores pessoais; c) Impedimento de acesso à utilização de balneários; d) O cumprimento de um manual de procedimentos de proteção de praticantes e funcionários.
“ Mais prevê essa norma que “é permitido o exercício de atividade física e desportiva até cinco praticantes com enquadramento de um técnico, ou a prática de atividade física e desportiva recreacional até dois praticantes”, para além de remeter para certas regras de higiene definidas numa outra norma.”
Nesse mesmo dia 30 de Abril, numa outra Resolução, a que estabeleceu a estratégia de levantamento de medidas de confinamento, resulta que desde 4 de Maio a “prática de desportos individuais ao ar livre” já é possível, já está abrangida pelo desconfinamento.”
3- Neste momento, que procedimentos os personal trainers devem tomar para poder trabalhar em regime outdoor sem transgredir a lei?
“Em bom rigor, terão de obedecer às condições que referi há pouco. Mas já que fala em outdoor, devo lembrar que, ao contrário do que sucede nos Açores, ainda é possível no Continente que em outdoor os treinos sejam conduzidos por quem não tenha cédula profissional. Isto porque a ‘Lei dos Ginásios’ foi uma lei desenhada para serviços de fitness prestados em instalações desportivas, edificadas, muradas, como ginásios, academias e clubes de saúde, que não para o meio natural, para o ar livre.”
4- Com os constrangimento atuais, muitos profissionais criaram novos serviços de treino on-line. Que condições são necessárias reunir para que esse serviço esteja em consonância com a lei?
“Infelizmente, nenhumas. Pelos mesmos motivos que referi relativamente aos treinos outdoor, a ‘Lei dos Ginásios’ não regula os serviços prestados online. É certo que a Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto exige enquadramento técnico para atividades de exercício e saúde, mas remete para uma lei de desenvolvimento dessas bases, lei essa que não existe.
Ou seja, e na prática, quer ao ar livre (com exceção dos Açores) quer online, estamos, digamos, em terra de ninguém. Qualquer pessoa, porque famosa, curiosa ou simplesmente com boa vontade, pode disponibilizar treinos online. Com todo o perigo que isso pode acarretar para a saúde e segurança dos praticantes, uma vez que podem estar a treinar sob prescrição de alguém sem habilitações técnicas para o efeito. Confesso que nem consigo imaginar o que pensarão todos aqueles Técnicos de Exercício Físico que muito lutaram para obter uma cédula profissional, e em momentos como este mais reforço a ideia de que uma Ordem Profissional seria importante.
Oiça: não tenho nada contra as aulas online, existem até aulas virtuais em ginásios, mas essas são ministradas por pessoas com título profissional para o efeito.
Está mais do que na hora de Governo e IPDJ agirem. Várias pessoas já sugeriram que quem tivesse cédula colocasse o número da mesma nessas sessões online para conforto ou garantia dos praticantes. É uma boa ideia. Porventura, como o defendi em debate que a AGAP promoveu recentemente, quiçá uma das vias possíveis fosse a criação, pelo Governo, ou pelo IPDJ, ou pela DGS, enfim, uma plataforma pública, na qual se registariam ginásios e técnicos de exercício físico titulares de cédula profissional. Só essas aulas teriam, digamos, validação, certificação pública. E o consumidor saberia que poderia confiar. Caso optasse, ainda assim, por outras vias, aí já seria sua responsabilidade.
Mas falando em responsabilidade: importa que o Estado não incorra em responsabilidade por omissão. Porque deve promover a atividade física e o desporto para todos, mas de igual modo cabe-lhe promover e proteger a saúde pública. Nunca me canso de recordar: quando em 1996, na Madeira, surgiu o primeiro diploma legal em Portugal sobre ginásios, no preâmbulo o legislador justificava a iniciativa para proteger a saúde, segurança e higiene dos utentes, para garantir a sua orientação técnica e, mais, para ir ao encontro das condições físicas e psicossomáticas de cada utente…haverá dúvidas de que não deverá ser instrutor de fitness quem quer mas sim e apenas quem pode?! …”
5- Até à data, que novas medidas se podem prever que tenham de ser implementadas , a curto prazo, por parte dos espaços fechados, nomeadamente os ginásios e estúdios para que os mesmos possam exercer a respectiva atividade sem cair em incumprimento neste contexto que estamos a viver?
“Bem, existe um documento do IPDJ, que vi circular, um ‘Guia para elaboração de um Manual de Procedimentos e Proteção de Praticantes Desportivos e Funcionários – COVID 19”, que já é um passo. Mas porventura impor-se-á um documento específico, para os ginásios, que mereça a aprovação das autoridades de saúde. Foi público: a AGAP, com a sua expertise, apresentou ao Governo propostas para o exercício dessa atividade, documento que naturalmente deve ser aproveitado. Por outro lado, mão amiga alertou-me que na Madeira já foram aprovadas medidas de desconfinamento relativas à abertura de ginásios, num conjunto de 17 pontos, documento que também pode e deve ser uma referência. Enfim, o que é preciso é prudência, claro está, mas também urgência e competência, urge dar-se prioridade ao assunto. Aguardemos por saber se, quando e como haverá um desconfinamento para os ginásios.”