1- Dr Veloso Gomes, quais os principais riscos associados ao sedentarismo e um estilo de vida pouco saudável ao nível da alimentação e falta de repouso?
“O sedentarismo é um fator de risco importante para muitos tipos doenças, tal como as perturbações do comportamento alimentar, os hábitos tabágicos, de consumo de álcool, de outras substâncias aditivas, ou mesmo o abuso de medicamentos, e a exposição continuada a substâncias tóxicas a nível profissional ou ambiental. Com o decorrer dos anos outros fatores de risco vão surgindo como a hipertensão arterial, a obesidade, as dislipidemias, a diabetes, o stress.
A prevenção primordial em saúde passa pela educação, e deverá ser incorporada em todos os níveis de ensino e também a nível familiar e associativo. A prática de exercício físico com carácter regular é essencial na salvaguarda de uma vida saudável e na prevenção primária ou secundária da doença. O ser humano é historicamente e geneticamente um ser ativo, mas a chamada civilização foi “empurrando” as pessoas para níveis de inatividade cada vez mais preocupantes.”
2- Os benefícios da prática de exercício físico ao nível cardiovascular e da saúde em geral estão comprovados. Gostaria de enumerá-los?
“A prática desportiva tem um papel comprovado por estudos epidemiológicos e de investigação na prevenção dos fatores de risco já citados, das doenças cardiovasculares e cerebrovasculares, das síndromes demenciais e da depressão, de muitas doenças oncológicas, de doenças músculo-esqueléticas, na prevenção do risco de quedas e fraturas, no ganhar de capacidade funcional, enfim, no bem estar físico e psíquico global.
A atual pandemia devida ao COVID19, e os níveis de confinamento que o dever têm obrigado, acaba por ter consequências colaterais danosas em outra áreas da saúde, com tendência acrescida da morbilidade e mortalidade por doenças não COVID mas de grande prevalência Populacional. As tentativas de divulgação da prática de exercício à distância, pelos media e meios informáticos, poderá ter minimizado um pouco, e apenas em alguns sectores da população, a falta de exercício físico. As consequências esperadas surgiram em pouco tempo. Desregulação alimentar, aumento de peso, agravamento da hipertensão arterial e doenças metabólicas, perda de capacidade funcional.
A Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC -21/04/2020) emanou recomendações específicas para a prevenção e tratamento das doenças cardiovasculares no contexto da pandemia por COVID19. As pessoas com fatores de risco, ou com doença cardiovascular estabelecida, representam uma população vulnerável quando sofrem de infeção por COVID 19. E os doentes com lesão cardíaca, no contexto de COVID 19, registam morbilidade e mortalidade aumentada. Daí a importância das recomendações:
a) manter um estilo de vida saudável, com alimentação saudável, deixar de fumar, restringir ingestão de álcool, sono adequado, e manter atividade física ativa. Aliás, a atividade física deve ser fortemente encorajada, quer em casa quer ao ar livre e áreas sociais.
b) Observar estritamente a medicação prescrita, manter o seguimento clínico adequado, e procurar de imediato cuidados médicos no caso de aparecimento de novos sintomas como a dor torácica ou falta de ar, ou de agravamento da situação clínica prévia.”
3- Quais as principais vantagens do exercício físico prescrito por um profissional qualificado comparativamente a uma actividade mais lúdica ou menos orientada?
“O exercício físico é um “medicamento” obrigatório para todas as pessoas, em todas as idades, saudáveis ou com doenças (exceto nas fases agudas das mesmas), com elevada eficácia na promoção da saúde e na prevenção primária e secundária da doença, e com baixo custo. Claro que a prescrição de exercício é diferente nas crianças, jovens, adultos e seniores. O tipo de exercício, a intensidade, a duração tem de ser adequados a cada grupo populacional e adaptados a cada indivíduo.”
4-De forma genérica, existe alguma sinergia entre vários profissionais da saúde para dar resposta a pessoas que iniciam um processo de reabilitação cardíaca?
Os profissionais de saúde e os médicos traçam orientações gerais para cada pessoa, desde a prática desportiva em idade pediátrica, desporto escolar, recreativo e federado, até ao exercício em situações de doença ou reabilitação. Os profissionais da educação física em geral devem traduzir essas orientações mais gerais em planos de treino específicos para cada indivíduo de acordo com a idade, situação de saúde, as suas caraterísticas e os objetivos de cada um.
A sinergia entre os diversos profissionais envolvidos na promoção, prescrição e supervisão da prática de atividade física em geral e da atividade desportiva a diversos níveis, tem vindo a melhorar significativamente nos últimos anos. Mas tem de evoluir muito mais, para benefício dos praticantes ao nível das escolas, associações desportivas, clubes, ginásios e instituições sociais.
5- Com a pandemia, passou a ser recomendável o uso de máscara fora de casa. Considera o uso de máscara quando se reliza atividade física mais benéfico ou mais prejudicial?
Estamos em tempo de desconfinamento progressivo. As regras emitidas pelas autoridades de saúde a nível internacional e nacional têm de continuar a ser cumpridas pelas pessoas e pelas instituições. Mas é tempo de recuperar dos nefastos efeitos do sedentarismo a nível físico e psicológico, que a pandemia ocasionou. O medo combate se com o cumprimento das normas de segurança, de todos conhecidas. E pela adoção das mesmas, com inovação, imaginação e rigor pelas escolas, ginásios, clubes e associações. Provavelmente privilegiando a prática e orientação mais personalizada, ou em pequenos grupos, e ao ar livre. As instalações tem de ser adaptadas à nova realidade, com restrições nos espaços de maior risco como balneários, ventilação renovada, distanciamento de espaços de utilização comum, higienização de todas as áreas e dos equipamentos, e sempre a observação nas normas individuais.
A Sociedade Espanhola de Medicina do Desporto (SEMD-01/05/2020) publicou normas classificando os desportos em risco de contágio, de baixo risco para os desportos individuais, médio risco os desportos de equipa, e de alto risco para os desportos de combate e contacto físico extremo. A importância do controlo individual e dos grupos em termos dos sintomas de alerta e sinais com a temperatura é realçada. E, em minha opinião, expandir a realização de testes, para diagnóstico em casos de sintomas suspeitos ou de indivíduos com contactos com doentes positivos. E testes serológicos param avaliação de imunidade individual ou de grupo.
O uso da máscara deve ser obrigatório em todos os espaços fechados e de maior circulação. O uso de máscara ao ar livre deve ser limitado às áreas de maior concentração de pessoas, mas não deve ser imposto durante o exercício, observadas que sejam as normas de distanciamento. A SEMD recomenda o uso de máscara cirúrgica se o distanciamento interpessoal for inferior a 6 metros, e no caso de desportos de equipa e de elevado contacto. No entanto, no regresso de alguns desportos coletivos e com contacto, como o futebol, não tem sido aplicada essa regra aos atletas em campo.
O uso de máscara durante o exercício tem sido associado a algum grau de hipoxia por afetar a capacidade ventilatória em esforços de nível mais elevado. A capacidade funcional é diminuída, como eu próprio tenho observado em provas de esforço em indivíduos com e sem doença, por comparação com exames anteriores. O tema é interessante e controverso e tem sido alvo de estudos de investigação.
Concluindo, poderemos dizer que para manter uma vida saudável, prevenir a doença, melhorar o bem-estar e capacidade física, agilidade e a autonomia, e o bem estar psíquico, e arranjar um escape contra a pressão dos tempos correntes e que se avizinham, vamos fazer exercício. Recomeçar com planeamento, progressivamente, com regularidade e com persistência. O exercício, comprovadamente, dá anos de vida e dá vida aos anos. Não podemos parar no tempo, porque o tempo não vai parar!
Manuel José Veloso Gomes, 68 anos, licenciado em 1975, na Universidade do Porto, médico cardiologista e especialista em medicina desportiva. Ex-diretor do Serviço de Cardiologia do Hospital de Faro. Foi coordenador das doenças cardiovasculares da ARS do Algarve. Foi chefe do departamento médico do Sporting Clube Farense durante mais de 20 anos e do Sporting Clube Olhanense durante 3 anos, clubes na altura na 1ª Divisão / 1ª Liga. Aposentado da função pública, atualmente é diretor clínico da Clínica de Cardiologia e Medicina Desportiva Veloso Gomes, em Faro.