– Breve apresentação profissional/ CV Resumido
- Desde 2017/2018 a trabalhar como fisiologista (sports science/s&c coach) do Boavista Futebol Clube
- Entre 2016 e 2020 treinador de triatlo na Associação Académica de São Mamede (jovens)
- Mestre em treino de alto rendimento desportivo – FADEUP (2018)
- Licenciado em ciências do desporto – FADEUP (2016)
- EXOS performance specialist certification
- UEFA B Coach
- Treinador de triatlo (nível I)
- Como surgiu o gosto pela área da preparação física e quando surgiram as primeiras oportunidades para trabalhar nesta área?
Desde miúdo que estou habituado a praticar desporto. O futebol, tal como grande parte dos miúdos, era a minha preferência. Mas cedo percebi que não tinha qualidade para chegar longe então comecei a procurar formas de me manter ligado ao desporto sem ser como atleta.
Curiosamente a primeira oportunidade que tive de trabalhar na preparação física foi ligado ao triatlo. Penso que essa experiência foi bastante enriquecedora e me trouxe conhecimentos essenciais para o desenvolvimento das funções no Boavista. Já o Boavista surgiu numa fase em que me preparava para começar o estágio de mestrado e, tendo na altura pouca experiência profissional, foi um grande desafio também.
- Como é o dia-a-dia do fisiologista Paulo Pires Santos na pré-época de um clube?
O dia-a-dia durante uma pré época costuma ser semelhante ao do período competitivo, sendo que existe um volume maior de trabalho (treinos bi-diarios, avaliações físicas, etc)
De uma forma geral o dia tem uma rotina relativamente estável:
Começa com a reunião do staff, para perceber o estado dos jogadores e as tarefas diárias que cada um terá. De seguida, o tratamento dos dados das respostas aos questionários de bem estar dos atletas e elaboração do respetivo relatório. Antes de me dirigir para o ginásio e poder auxiliar algum jogador na pré ativação para os treinos, preparo os dispositivos de GPS para que os jogadores possam utilizar no treino. Durante o treino desenvolvo o trabalho com os jogadores em fase final de reabilitação (trabalho de campo e/ou ginásio dependendo das necessidades), no fim do treino de campo, habitualmente, temos as sessões de força (dependendo da fase da época, objetivo da sessão e preferência da equipa técnica, esta poderá ser também antes do treino). Finalmente, resta apenas fazer os questionários da perceção de esforço e tratamento dos dados e relatórios da carga de treino.
Num treino bi diário este ciclo repete-se de novo da parte da tarde. Não havendo treinos bi-diários, a parte da tarde pode ficar reservada para o trabalho individual de alguns jogadores e para tratamento e análise de dados relativos às cargas de treino.
- Quais as principais diferenças do treino físico numa pré-época e no final da mesma em que podem estar a ser disputados os principais objetivos?
Penso que as grandes diferenças estão no volume de treino, sendo que, nas primeiras três a quatro semanas do período preparatório costumam ser mais elevadas e com o aproximar dos primeiros jogos oficiais o volume diminui.
Parece também que a exposição a tempo de jogo acontece de forma gradual, de semana para semana, até atingir, nas últimas semanas da pré época, o tempo de jogo completo (referente a carga de cada jogador).
Na minha opinião, se tivermos em conta apenas a pré época para a preparação dos jogadores, esta não é suficiente para induzir as adaptações necessárias para considerarmos que os jogadores estão preparados para a exigência de uma época. Neste sentido o período de off season é determinante para, pelo menos, evitar perdas de forma.
Existe também a necessidade de orientar a pré época para o desenvolvimento das capacidades e qualidades físicas dos jogadores tendo em conta as exigências específicas do jogo, da sua posição e das suas características individuais. Não pretendo com isto dizer que o treino deve ser jogo. Bem pelo contrário, mas quando fazemos referência ao trabalho físico numa pré época, conseguimos perceber que muitas vezes este é prescrito de forma igual para todos. Isso não é algo negativo, porque os jogadores vão sofrer certamente adaptações positivas, no entanto, considero que se tivermos em conta o perfil da carga de jogo de cada jogador/posição, conseguiremos num período relativamente curto de preparação, ser o mais eficientes possível. Pegando no exemplo da comparação carga de um médio centro com a de um defesa lateral, conseguimos perceber , em condições normais, o defesa lateral irá percorrer mais distância em alta intensidade e o médio centro realizará mais acelerações e desacelerações. Tendo este conhecimento, poderemos planear a progressão semanal de cargas para a acumulação progressiva de carga, tendo em vista a preparação para o momento competitivo (jogo).
- Que cuidados consideras que devem ser tidos por parte dos atletas durante as suas férias? Consideras importante haver uma “pré” pré-época?
A transição de uma época para a outra normalmente tem 1 mês e meio de paragem nos treinos e uma pré época com 5/6 semanas. Aquilo que se consegue perceber é que uma paragem completa durante as “férias” poderá levar a perdas muito grandes no estado de forma e o principal problema é que o período de pré época não é suficiente para que esses níveis voltem aos que estavam antes da paragem.
O fato de no futebol vermos períodos competitivos que podem ter mais de 10 meses seguidos (no caso dos jogadores internacionais) faz com que se tenha de ajustar todo uma estrutura de preparação para a época. Nos modelos mais tradicionais de periodização do treino, podemos ver que há um off season antes da pré época. Existe também períodos transitórios (transição de uma época para a outra ou entre fases da época) em que os atletas regeneram tanto a parte física, como a parte mental. Nestes modelos, o off season é caracterizado por ter os maiores volumes de treino e compreende também a “preparação geral” dos atletas (isto é, as capacidades de base como por exemplo, a capacidade aeróbia e a força máxima). De seguida, a pré época é um período de preparação em que as cargas já são específicas. Nos estados unidos, a maior parte dos desportos acabam por seguir esta lógica, tendo períodos competitivos bem mais curtos (ex. NFL, NBA…).
Dando este exemplo, não considero que seja essencial seguir uma linha de treino que respeite todos estes períodos mas considero essencial que haja tempo para que os atletas se possam preparar para os períodos competitivos. Sendo o futebol um desporto em que o calendário é bastante condensado e, ao mesmo tempo, prolongado, torna-se difícil encontrar o equilíbrio entre a recuperação, o treino e a competição.
Na minha opinião, o mais importante num período de transição e off season no futebol (ambos compreendidos em 5/6 semanas) é ter em conta a necessidade do jogador recuperar física e mentalmente e reduzir as perdas de índices físicos de uma paragem prolongada. Pode-se e deve-se utilizar este período para tentar desenvolver algumas capacidades em que os jogadores apresentem alguns défices. Contudo, não acho que se deva utilizar este período para aplicar cargas muito altas (ao ponto de causar muita fadiga acumulada) devido ao grande período competitivo.
- Qual a importância do Treino de Força numa modalidade como o Futebol?
O treino de força tem uma importância muito grande: em qualquer que seja a modalidade desportiva, qualquer movimento realizado de forma voluntária advém da produção de força, sendo que esta se manifesta de diferentes formas. Durante algum tempo o treino de força foi visto como algo negativo pelo fato de considerarem que os atletas ficavam “lentos”. Felizmente, tem-se visto uma mudança de paradigma e que o treino de força começa cada vez mais a ser uma constante no dia-a-dia dos jogadores de futebol.
O treino de força tem-se revelado determinante para melhorar a performance física e na redução da incidência de lesões (apesar do seu caráter multifatorial, parece haver uma associação inversa entre os níveis de força e as lesões).
Em relação ao treino de força devemos ter em atenção o desenvolvimento das diferentes manifestações da força. Habitualmente quando se fala em treino de força pensamos de imediato na utilização de cargas altas e tentar levantar o máximo de peso possível. No entanto, o conceito da curva força-velocidade é importante para que a prescrição do treino seja o mais eficiente possível. De uma forma simples, a relação entre a força e a velocidade é inversa, ou seja, quanto maior for a carga a vencer, menor será a velocidade de execução. Podemos perceber que vários métodos de treino podem incidir sobre objetivos diferentes no treino da força, sendo essencial desenvolver os nossos atletas ao longo de todas as manifestações da força. O meio-agachamento como exemplo diferentes métodos de treino de força: utilizar cargas elevadas para desenvolver a capacidade de produzir força máxima; cargas moderadas e, eventualmente, a adição de resistências acomodativas (como bandas elásticas ou correntes; diminuindo, desta forma, a fase de desaceleração no final do movimento) para um foco maior na produção de potência; cargas baixas e a realização do exercício de forma balística (envolvendo salto) para incidir mais na zona da “speed-strength” da curva-força velocidade.
Como conclusão, vejo o treino de força como uma ferramenta essencial para o desenvolvimento atlético de jogadores de futebol, mas tendo sempre em perspetiva que o treino de força não é o fim em si. Devemos sempre ver o treino de força como um meio para que os jogadores consigam melhorar o rendimento dentro de campo. Na preparação física de jogadores de futebol devemo-nos focar também no desenvolvimento dos sistemas energéticos e na técnica de locomoção dos diferentes padrões utilizados durante um jogo de futebol (corrida linear, mudanças de direção, acelerações…).