A primeira parte deste artigo terminou referindo a necessidade de se garantir que todos os jogadores de futebol têm: “…a exposição, em quantidade e intensidade adequadas à sua posição, em função daquilo que concretamente lhes é solicitado em jogo…”, adicionalmente, para além da exposição à corrida de alta intensidade, há também componentes da performance da corrida dos jogadores que podem ser simultaneamente trabalhadas, recorrendo aos contributos da cinética e da cinemática. A cinemática, área que, aplicada a este contexto, analisa o movimento dos segmentos biomecânicos durante a corrida, e a cinética, que relaciona esse movimento com as forças que o causam, tendem a ser subvalorizadas. Não obstante, são áreas complementares e assumem particular relevância em variados aspetos do treino de velocidade. De facto, é crucial que o jogador esteja treinado para aplicar eficientemente grandes quantidades de força nos apoios que realiza. E isso, evidentemente, porque quanto melhor preparado o jogador estiver para realizar corridas de alta intensidade, repetidas no tempo e, eventualmente, sob fadiga, melhor será a sua performance e menor será o risco de lesão a que estará sujeito.
Apesar disso, não é apenas a quantidade de força aplicada que importa, mas também o modo como essa força é aplicada. Suponhamos, por exemplo, que um jogador, durante a corrida, realiza uma maior flexão da coxa na fase mid swing. Isso levará a uma maior força aplicada no chão no apoio consequente. No entanto, se esse apoio for realizado à frente do ponto de projeção do centro de massa no solo, parte da força será aplicada no sentido oposto ao deslocamento, circunstância que será contraproducente. Outro exemplo prático da importância destas áreas para o referido treino prende-se com a necessidade de preparar a musculatura posterior da coxa para a realização de ações explosivas. Mas isso, por si só, não será suficiente porquanto a execução de um sprint incorpora essas ações explosivas em grandes amplitudes musculares. Os isquiotibiais, músculos biarticulares constituídos maioritariamente por fibras tipo II, serão solicitados numa ação excêntrica de grande amplitude com enorme força de tração, que ocorre maioritariamente na fase early stance, podendo, nessa altura, ocorrer uma possível lesão muscular (apesar de não ser consensual, este momento é identificado numa parte significativa da literatura especializada como sendo aquele onde mais frequentemente ocorre a rotura do isquiotibial). Daí a necessidade de realização de treino específico, inclusive em situações de fadiga, tendente a minimizar o risco de ocorrência deste tipo de lesão. A cinética e a cinemática são, pois, indubitavelmente, elementos chave no treino de corrida a grandes velocidades, na medida em que permitem uma compreensão mais aprofundada do mecanismo de sprint. Essa compreensão auxiliará o responsável pela prescrição do treino, não apenas no momento de conceção dos exercícios, mas também no de definição de estratégias de retorno à prática após a lesão. Para além disso, num processo de Return To Play, é fundamental que os jogadores sejam submetidos progressivamente a distâncias de alta intensidade e sprint até que a carga aplicada se equipare à que vão encontrar aquando da sua integração nos treinos com a restante equipa (fase final do processo de RTP). Em suma, se considerarmos que o futebolista tem, inevitavelmente, de realizar sprints a grandes velocidades durante o jogo, é imprescindível que esteja preparado para desenvolver esse tipo de ação. Para que o jogador mantenha / melhore a sua performance e esteja disponível para esse esforço em competição, é essencial uma boa preparação prévia, que tenha em consideração os mecanismos da corrida e a epidemiologia da modalidade.
João Alves Fisiologista Sporting Clube de Braga
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