Isabel Rodrigues, médica na Viatura Médica de Emergência e Reanimação (VMER) de Faro e de Albufeira, Serviço de Helitransporte de Emergência Médica (SHEM), e, Central de Orientação de Doentes Urgentes (CODU).
As equipas de emergência médica do pré-hospitalar são compostas por vários elementos com diferentes níveis de diferenciação, que actuam em todos os tipos de cenários com o objectivo final de as estabilizarem, transportarem a acompanharem as vítimas até ao Serviço de Urgência do hospital mais próximo e com as valências mais apropriadas.
Em Portugal continental a emergência médica pré-hospitalar é realizada pelo Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), Cruz Vermelha Portuguesa (CVP) e pelos Bombeiros Voluntários (BV), e, as equipas são constituídas por Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar (TEPH), Tripulantes de Ambulância de Socorro (TaS), Enfermeiros/as e por Médicos/as. Noutros países a emergência médica pré-hospitalar é efectuada por Paramédicos, que considerarei o equivalente à nossa realidade.
As ocorrências têm um espectro de variabilidade bastante largo não só de acordo com o possível cenário, assim como com o número de vítimas e as características próprias de cada uma delas. Por isso, as equipas podem deparar-se com ocorrências no domicilio, na via pública, na praia, na montanha, etc., com 1 vitima ou com várias vítimas, vítimas pesadas ou leves, que deambulam ou que estão acamadas, com fácil acesso para transporte por maca ou por cadeira de rodas ou com acessos difíceis que exigem ajuda de outros meios da protecção civil. Estes são apenas alguns exemplos de um universo de possibilidades.
Tendo ainda em conta o envelhecimento global da população geral, a maioria das vitimas são idosos/as, e muitos dos mesmos/as carecem de ajuda para se deslocarem. Por isso, é muito comum, senão o mais comum, que em prédios sem elevador, na via pública, em casas de difícil acesso, em lares de 3ª idade, etc., sejam as equipas do pré-hospitalar a transportar as vítimas, às vezes muito pesadas, com a própria força através do levante das cadeiras de rodas, das macas, dos planos dos ou até das lonas até à ambulância. Transportar uma vítima nos próprios braços é possível mas é mais raro.
No caso de acidentes de viação e de outros tipos de trauma, este esforço físico de acesso à vítimas e de transporte das mesmas até à ambulância pode exigir um maior esforço físico. Um exemplo prático disto seria um cenário de trauma a vários kms do acesso à estrada onde fica parada a ambulância. Neste contexto, e ainda que as cadeiras de rodas e as macas tenham rodas, existe sempre um maior esforço físico para o transporte destas vítimas até às ambulâncias.
Para além disto, no caso da ocorrência ser de uma Paragem Cardiorespiratória (PCR), a aplicação correcta das manobras de ressuscitação de Suporte Básico de Vida (SBV) e de Suporte Avançado de Vida (SAV) exige um esforço físico considerável para que as massagens cardíacas sejam de qualidade, sendo que para evitar a exaustão os diferentes membros das equipas devem revezar-se a cada 2 minutos durante as massagens cardíacas.
Outras variantes a serem consideradas são o tempo (ex.: tempo de duração do SAV) e a distância (ex.: da ambulância ao local onde se encontra a vítima).
E, por fim, parece-me importante considerar o facto destas equipas trabalharem por turnos, que, por si só é desgastante, especialmente os turnos durante a noite.
Perante todos este factos, e sendo que a emergência médica pré-hospitalar existe globalmente, parece-me pertinente uma observação mais detalhada acerca da preparação física destas equipas.
Em Portugal, não existe qualquer teste que envolva a preparação física na altura de admissão dos membros destas equipas pelas diferentes entidades mencionadas a cima. Com a excepção de algumas corporações de BV, não está previsto na lei que qualquer profissional do pré-hospitalar tenha que apresentar nada mais que um certificado médico em papel de aptidão e robustez física e psicológica, sem ter qualquer avaliação ou orientação física pelas entidades formadoras.
Durante o desenvolvimento desta carreira também não é dada qualquer relevância à preparação física das equipas. Existem quartéis de Bombeiros com acesso a ginásios, no entanto, a prática de desporto é facultativa.
Ora, tendo em conta, a descrição a cima, com a falta da devida preparação física em profissionais que diariamente empregam força muscular, na maioria das vezes, sem qualquer atenção à sua postura, as lesões físicas são não só comuns como muitas vezes incapacitantes.
No INEM no acto de no acto de candidatura e contratação dos profissionais TEPH são exigidas provas físicas que visam avaliar as aptidões físicas dos candidatos necessárias à execução das atividades inerentes aos postos de trabalho a ocupar [17].
Investigando além da nossa realidade, vejo que à nossa semelhança no nosso país vizinho, Espanha, também não existe qualquer pre-requisito do mesmo género para admissão nos Servicios de Asistencia Medica de Urgência (SAMU) [16], uma entidade semelhante ao INEM. No entanto, no Reino unido, nos Estado Unidos da América (EUA) e na Austrália, por exemplo, estes testes físicos são mandatários na admissão desde profissionais [13] [14] [15].
As questões são: Não será essencial que esteja garantida a aptidão física deste profissionais no desempenho das suas tarefas diárias? Não seria benéfico para a saúde, bem estar e prevenção e lesões deus mesmos uma aposta na sua preparação física? Não será mais seguro para as vítimas que os profissionais que as socorrem estejam o melhor preparados fisicamente possível? E quem deve garantir que é mantida a robustez física destes profissionais? Os mesmos, obviamente, por interesse próprio, na sua saúde e bem estar, mas também a entidade empregadora, sendo que os serviço prestados por todos eles são do maior interesse público, logo, devem ser dadas todas as condições para que seja mantida esta robustez física , assim como deve ser exigido aos membros integrantes desta área profissional que mantenham um acondicionamento físico ideal.
Neste sentido foram realizados vários estudos que passo a citar a baixo. São estudos dirigidos à análise da condição física destes profissionais em diferentes âmbitos e em diferentes países, e, no geral, todos concluíram que a capacidade cardiovascular, a resistência aeróbia, a resistência anaeróbia e a mobilidade são essenciais no bom desenho das funções. Concluíram ainda que todos estes parâmetros estão aquém dos que seria esperado, e que deve ser feito um investimento no sentido de melhorar toda esta realidade, ou seja, estes profissionais devem não só praticar actividade física desportiva assim como a sua robustez física e capacidade de desempenho devem ser acompanhadas e mantidas numa avaliação ótima.
Em 2009 numa dissertação de mestrado na Universidade do Minho foi feito um estudo que teve como objectivos avaliar a capacidade de trabalho dos Bombeiros e analisar essa capacidade laboral em função de factores sócio-demográficos e dos estilos de vida, assim como avaliar a associação existente entre o Índice de Capacidade para o Trabalho (ICT) e algumas variáveis (idade, Índice de Massa Corporal – IMC), factores de trabalho (anos de serviços e horas de trabalho semanal). Dentro das variáveis estudadas, concluiu-se que a presença de doenças resultante de acidentes, dos foros musculo-esquelético, respiratório, digestivo e circulatório diminui significativamente a capacidade laboral, representando as lesões resultantes de acidente o factor mais influente. [1]
Mencionando estudos realizados apenas no ano de 2019 nos EUA, dou como exemplo alguns dos mesmos que abordaram a temática da preparação física dos Bombeiros. Em Abril um estudo publicado no Journal of Ocupacional Medicine and Toxicology que analisou a resistência física e a força de vários bombeiros através de um estudo comparativo em diferentes programas de treino físico. Neste estudo concluiu-se que treinos de alta intensidade são benéficos, eficazes e seguros nos desempenho desse profissionais. [2] Noutro, publicado no International Journal of Exercise Science com o intuito de analisar os parâmetros físicos e as alterações no estado geral de saúde de bombeiros após 6 meses de exercício de alta intensidade, preliminarmente, concluiu-se que são necessárias melhorias físicas, de resistência cardiovascular e de amplitude de movimento para optimizar as táticas de trabalho e a segurança física destes bombeiros. [3] Ainda nos EUA, foi realizado um estudo que comparou a capacidade física entre bombeiros com a utilização de electromiografia (EMG) durante o levantamento de pesos, que conclui que o levantamento de pesos padrão e o exercício dos músculos abdominais oblíquos devem ser integrados num plano de treino de resistência física dos bombeiros. [4]
No que toca à profissão Paramédico/a em 2019 foram também realizados vário estudos internacionalmente para acesso da condição e do risco físicos. São exemplos, um estudo realizado no Reino Unido que analisou as demandas físicas dos paramédicos na National Ambulance Resilience Unit (NARU) e concluiu que as resistências aeróbia e anaeróbia, força muscular e mobilidade são necessárias para o desempenho correcto das funções de paramédico [5], no Canadá, foi feito um estudo que avaliou o efeito do programa de força e acondicionamento físico na melhoria do desempenho profissional dos candidatos a paramédicos que, concluiu que a implementação de um programa alvo de força e de acondicionamento físico melhorou o desempenho dos candidatos mais fracos a paramédicos [6], na Turquia, um estudo interrogou o acondicionamento físico dos paramédicos e o que deve ser feito, concluiu que a capacidade física dos paramédicos deve ser avaliada globalmente e não apenas no desempenho de uma tarefa isolada, que devem ser avaliadas a performance motora e capacidade física sob situações de stresse e de fadiga, e, que deveria ser desenvolvido e aplicado um questionário para avaliação não só da performance física, assim como, de todos os critérios sob qualquer circunstancia de trabalho dos paramédicos [7], na Austrália vários artigos foram publicados no Australasian Journal of Paramedicine, num deles é feita uma revisão da literatura acerca do estado de saúde, o acondicionamento físico e as tarefes dos paramédicos, onde se concluiu que existe a necessidade da realização de mais estudos que definam o nível exacto requisitado de acondicionamento físico para o desempenho de tarefas do dia-a-dia dos paramédicos, e, que actualmente a aptidão física de estado de saúde dos paramédicos fica aquém dos requisitos para o desempenho das suas funções [8], outro estudo descreve o perfil de um paramédico australiano do género masculino avaliando as suas características físicas que, concluiu que a resistência anaeróbia destes profissionais é baixa sugerindo a necessidade de um programa de exercício físico com ênfase na repetição de movimentos perto do esforço máximo [9].
Limitações físicas dos profissionais do pré-hospitalar trazem também um risco acrescido às vítimas durante os transportes/transferências das mesmas segundo um estudo realizado no Canadá que concluiu que deve ser feito um índice de risco e quantificado o risco associado a estas situações, sendo que medidas correctivas de postura foram necessárias [10]. Ainda no Canadá, foram feitos mais 2 estudos, o primeiro acede à dinâmica da movimentação do tronco dos paramédicos durante o trabalho e o segundo identifica as demandas físicas críticas durante o desempenho do trabalho dos paramédicos de forma a desenvolver um padrão de emprego destes profissionais [11] [12].
É verdade que a realidade profissional dos bombeiros nestes países e no nosso não é a mesma, ou seja, nestes países os bombeiros não realizam serviços de emergência pré-hospitalar, no entanto acho pertinente esta comparação, já que o esforço físico está presente em todas as realidades.
Portanto, e, para finalizar, é fundamental que a preparação e acondicionamento físicos sejam integrados no dia-a-dia de todos os profissionais da emergência hospitalar pelos motivos referidos a cima, ou seja, não só os pessoais, bem estar geral e prevenção de lesões, assim como para um melhor desempenho profissional garantindo a segurança das vítimas. Poder-se-ia, por exemplo, integrar tempo destinado ao treino físico na horário laboral, visto que este investimento evitaria muitas faltas ao trabalho por motivo de lesões físicas.
Além disto, a exigência de provas de apetência física para integração profissional destas equipas poderia ser um incentivo inicial à pratica de exercido físico como parte integrante do trabalho.
Bibliografia:
[1] Azevedo, Nuno Jorge Leal; Barroso, M. Arezes, P., Caracterização e análise do índice de capacidade laboram em bombeiros. Disponível em: https://repositorium.sdum.uminho.pt/handle/1822/10743
[2] Hollerbach, Britany S.; Jahnke, Sara A.; Poston, Walker S.C.; Harms, Craig A.; Heinrich, Katie M.; Changes in Health and Physical Fitness Parameters After 6 Months of High-intensity Group Exercise in Firefighters: Preliminary Data. Journal of Occupational Medicina and Toxicology 2019. Disponível em: https://occup-med.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12995-019-0232-2#Bib1
[3] Sokoloski, Mattew L.; Gordon, Ryan A.; Guerin, Gena D.; Rowland, Isaac F.; Zumbro, Emily L.; Bachik, C Rayan; Rigby, B Rhett; Changes in Health and Physical Fitness Parameters After 6 Months of High-intensity Group Exercise in Firefighters: Preliminary Data. International Journal of Exercise Science. Disponível em: https://digitalcommons.wku.edu/ijesab/vol2/iss11/26/
[4] Lane, Charity L.a; b | Hardwick, Dustinc | Janus, Thomas P.c | Chen, Heniand | Lu, Yuanyuand | Mayer, John M.a; b; Comparison of the firefighter candidate physical ability test to weight lifting exercises using electromyography. Disponível em: https://content.iospress.com/articles/work/wor192880
[5] Rue, Carla A.a | Rayson, Mark P.b | Walker, Ella F.a | Doherty, Juliannea | Thompson, Janea | Myers, Stephen D.a | Blacker, Sam D.a; A job task analysis to describe the physical demands of specialist paramedic roles in the National Ambulance Resilience Unit (NARU). Disponível em: https://content.iospress.com/articles/work/wor192960
[6] Armstrong, Daniel P.a | Sinden, Kathryn E.b | Sendsen, Jonathana | MacPhee, Renée S.c | Fischer, Steven L.a; Evaluating the effect of a strength and conditioning program to improve paramedic candidates’ physical readiness for duty. Disponível em: https://content.iospress.com/articles/work/wor192953
[7] Senuren, C Ozkaya; Yaylaci,s; 21 How fit are paramedics/EMTs? What we know and what should be done?. BMJ Journals. Disponível em: https://bmjopen.bmj.com/content/9/Suppl_2/A8.1.abstract
[8] Sheridan, Sam; Paramedic health status, fitness and physical tasks: A review of the literature. Australalasian Journal of Paramedicine. Disponível em: https://ajp.paramedics.org/index.php/ajp/article/view/580
[9] Chapman,D.;Peiffer, J.;Abbiss, C; Laursen,P.; A Descriptive Physical Profile of Western Australian Male Paramedics. Disponível em: https://ajp.paramedics.org/index.php/ajp/article/view/403
[10] Larouche, Dominique; Bellemre, Marie; Prairie, Jérôme; Hegg-Deloye, Sandrine, Corbeil; Overall risk index for patient transfers in total assistance mode executed by
emergency medical technician-paramedics in real work situations. Disponível em: https://reader.elsevier.com/reader/sd/pii/S0003687018303454?token=FE7519F856A1F12C3FE984CDE8604E583D2AF88237329167B590817385FD05F3F22287922F83BE601BE43E2F87DB989D
[11] Steven L.FischeraKathryn E.SindenbRenee S.MacPheecthe Ottawa Paramedic Service (OPS) Research Team; Identifying the critical physical demanding tasks of paramedic work: Towards the development of a physical employment standard. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0003687017301540
[12] Steven L.FischeraKathryn E.SindenbRenee S.MacPheecthe Ottawa Paramedic Service (OPS) Research Team; Identifying the critical physical demanding tasks of paramedic work: Towards the development of a physical employment standard. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0003687017301540
[13] South East Coast Ambulance Service NHS. Advice and Guidance notes to prospective candidates. disponível em: https://www.canterbury.ac.uk/study-here/docs/paramedic-fitness-assessment-guidelines.pdf
[14] Physical Requirements to Become a Paramedic. Disponível em: https://work.chron.com/physical-requirements-become-paramedic-16091.html
[15] Physical Capacity Testing Protocols Pre-Employment Candidate Pack. Disponível em: https://students.acu.edu.au/__data/assets/pdf_file/0004/787936/151007_VIC_AV_Phys_Candidate_Pack.pdf
[16] Escuela SAMU. Disponível em: https://escuelasamu.com
[17] Aviso n.º 2123-A/2017. Disponível em: https://dre.pt/home/-/dre/106531280/details/maximized